quinta-feira, 21 de julho de 2016

Escola Sem Partido: por uma Educação medíocre e enganadora

A Lei da Mordaça, estupidez galopante formulada por um advogado das causas obscurantistas e conservadoras, não tem como alvo os partidos, nem mesmo o suposto problema do proselitismo partidário. Até porque ele mesmo tem partido e quer ver sua ideologia organizando a escola e a Educação.

A iniciativa pretende exterminar a construção de senso crítico e massacrar a diversidade presente nas nossas escolas, que somente é uma amostra da diversidade do mundo fora delas. E assim sendo, não é "só" a democracia que será atacada pelo projeto: a qualidade do ensino, de forma geral, estará.

Há 17 anos, um artigo de Rubem Alves num jornal de grande circulação me chamou a atenção para sempre. Nele, o educador trazia uma importante reflexão, ao contar a história da aeromoça a quem perguntou qual o rio que se avistava ao sobrevoar o Paraná. Ela, sorridente, respondeu que era o São Francisco.

"Posso jurar que ela não colou para passar de ano. Ela sabia direitinho os nomes. Sabia também olhar os mapas. Nas provas, marcou certo o rio São Francisco. Na escola, tirou dez. Então, como explicar que ela visse o São Francisco no norte do Paraná? A resposta é simples: não foi ensinado a ela que o mapa, coisa que se faz com símbolos para representar o espaço, só tem sentido se estiver ligado a um espaço que não é símbolo, feito de montanhas, rios de verdade, planícies e mares. Saber um mapa é ver, pelos símbolos, o espaço que ele representa".

O que Miguel Nagib e seus seguidores querem é ferir de morte exatamente isso. Querem que a escola se limite a falar das fases da mitose, do seno e do cosseno, da vegetação do sul da Ásia, das causas da Guerra dos Cem Anos; fazendo disso tudo apenas símbolos que não saem do laboratório, conhecimento sem sentido.

Expulsar o pensamento crítico das escolas é fortalecer esse olhar medíocre sobre a Educação; é contribuir para formar jovens incapazes de estabelecer relações e de se instrumentalizar dos símbolos para ler o mundo real. Como bem apontava Rubem Alves, conhecimento que não decifra a vida e não ilumina o mundo não é conhecimento. É enganação. Uma ótima palavra, aliás, para definir a tal Escola Sem Partido.

(Alessandra Terribili)
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PS: É sintomático que, 17 anos depois, eu recorra ao mesmo artigo para falar de Educação que eu usava na época, quando estávamos no auge do combate contra o Provão. Os tempos sombrios estão mesmo de volta.

PS 2: O artigo do Rubem Alves está no link http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz11079909.htm.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

A conclusão do golpe foi ontem

Um artigo despretensioso para analisar a conjuntura, sob as emoções dos resultados da eleição para Presidente da Câmara Federal ontem.
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O que aconteceu ontem não foi surpresa. Não foi fato isolado. Não foi incoerente com o que o PT vem fazendo há, no mínimo, 20 anos. Isso não é "errar na tentativa de acertar", não. Isso é ESCOLHA POLÍTICA, uma escolha feita há muito tempo, diante da qual houve e há muita resistência; resistência que foi, por diversas vezes, esmagada com autoritarismo.

Um setor do partido fez SIM uma opção que nos conduziu a esse processo todo. As políticas de alianças, o pragmatismo eleitoral, as concessões programáticas. Entramos num jogo aceitando jogar sob as regras dos adversários, muitas vezes nos misturamos com eles, muitas vezes nos rebaixamos ao nível deles. E lhes demos espaço e os mantivemos no poder. Isso não é o imponderável, esse não é o único jeito, e não foi decidido coletivamente que seria assim.

Não tem conversinha fiada de "vem disputar o fórum partidário" que me convença de que eu também tenho responsabilidade pelo que está acontecendo. Eu fiz isso enquanto minha saúde física e mental aguentou, e fiz muito. Fui dirigente municipal e estadual do PT. Integrei a Secretaria Nacional de Mulheres. Disputei com sangue, suor e lágrimas opiniões e ações. Trabalhei muito. Fui derrotada na maioria das vezes.

Eu não vou aceitar a responsabilidade coletiva não. E com isso, não estou responsabilizando a maioria do partido de forma monolítica. Mas camaradas, não se enganem: escolhas foram feitas. Alguém fez. E uma parte delas foi feita fora das tais instâncias partidárias, inclusive.

Nossa presidenta sofreu um golpe articulado e encaminhado por quem foi considerado aliado nesse maldito presidencialismo de coalizão em cujas estruturas não ousamos mexer. Eu sei que foi pelos nossos acertos que tomamos o golpe. Mas foram os erros que abriram o caminho pra ele. E ontem, vimos parte do PT votar num sujeito pertencente ao agrupamento que nos usurpou o poder, e achar que isso poderia dar certo em qualquer critério que se queira adotar. Vimos parte do PT ajudar a eleger Presidente da Câmara um verme político, leal e legítimo representante da nojenta elite colonialista brasileira, guardião de propostas conservadoras, privatistas e que certamente arrancarão direitos da classe trabalhadora que tanto nos custou conquistar.

Os Governos Lula e Dilma, por contradições que nos tenham trazido, melhoraram a vida do povo. Trouxeram para o centro do poder itens de um programa democrático e popular que é a jóia mais linda que a gente já produziu. A gente sabe, a gente defende com unhas, dentes e garras essas conquistas. Mas a direção do PT achou que poderíamos governar em conciliação com os setores que sempre desejaram "se livrar da nossa raça". Incorporamos suas práticas e adotamos suas opiniões muitas vezes. Na primeira oportunidade, eles tomaram de assalto a presidência, num golpe ao qual não pudemos reagir, porque não conseguimos construir força política para isso. Só construímos coalizão.

Eu aguardo há dez anos alguma autocrítica. Alguma sinalização de que um dia vamos discutir o que foi que deu errado. Um mínimo de balanço sério e decente dos últimos 14 anos. Não é pra apontar dedos na cara. É pra crescer. É pra ser melhor. É pra estar à altura da conjuntura.

Mas infelizmente, nós não estamos à altura da conjuntura. O que aconteceu ontem é só o desfecho de toda essa tristeza: a gente não só não vai fazer autocrítica, como vamos insistir no erro quantas vezes o erro se apresentar para nós. Parece até que esse setor se convenceu do erro, mesmo. É por isso que eu não aceito e não vou aceitar a coletivização da "culpa".

Eu sei o tipo de coisa que posso ouvir e/ou ler por estar dizendo tudo isso. "Vocês também sujaram as mãos", "Se a parte ruim é nossa, a boa é nossa também", "Vocês se beneficiaram dos tais erros" e baboseiras desse tipo, sem nenhum valor político, muito menos moral. O que só me fará ter mais certeza de tudo que escrevi acima: não estamos à altura da conjuntura.

E lá vamos nós para as eleições municipais, como se nada tivesse acontecido.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Amor & Bem

Tinha ficado pensativa a semana toda. A tal conversa não lhe saía da memória, mesmo que parte dela tivesse sido sugada para algum canto desconhecido da mente, levada que nem canoa desgovernada num extenso rio de águas calmas.

Falaram sobre demonstrações de amor. Ora, não precisam ser efusivas, nem frequentes. Ela sabia bem a chatice que é quando alguém insiste em dar um amor que o outro não quer receber. Tem também aquela história de assustar, e blá blá blá. Mas, no final das contas, ela nem percebia que demonstrava tanto, e amor é mesmo uma coisa que a pessoa faz sem notar. Coisa muito medida não tem como ser amor não.

Ao entrar na loja, Noel Rosa apareceu-lhe através de seus versos, que alguém, pelo rádio, pronunciava:

Agora vou mudar minha conduta
Eu vou à luta pois eu quero me aprumar
Vou tratar você com a força bruta
Pra poder me reabilitar.

"Vai ver é assim que a gente tem que ser", pensou. A letra do poeta da Vila a fez contente novamente, e quando reparou, o céu estava muito azul e o sol brilhava majestoso. Não havia motivo para cansaço nem incerteza. A vida andava para frente, os caminhos se abriam naturalmente, como se fosse a natureza abençoando-a.

Porém, no mesmo instante em que deixou a loja com o pequeno embrulho nas mãos, e antes que as palavras de Noel fizessem sentido de vez, a mente lhe trouxe a voz de Renato Russo, aquele poeta triste que, ironicamente, cantarolou-lhe palavras doces e risonhas:

Vem cá, meu bem,
Que é bom lhe ver
O mundo anda tão complicado
Que hoje eu quero fazer tudo por você.

Olhou para o presente e sorriu para si mesma, pensando: "É, acho que eu não tenho jeito não".

domingo, 3 de julho de 2016

Senhor Samba #3 - No rancho fundo

"No Rancho Fundo" não é música sertaneja, nem é de Chitãozinho e Xororó. É um samba-canção composto por Ary Barroso para musicar poema do caricaturista e poeta José Carlos de Brito Cunha.  e foi apresentado por Aracy Côrtes numa peça do Teatro de Revista. Nasceu como "Esse mulato vai ser meu", com subtítulo "Na grota funda":

Na grota funda
Na virada da montanha
Só se conta uma façanha
Do mulato da Reimunda

Pois Lamartine Babo ficou muito impressionado com a música, mas não gostou da letra. Reza a lenda que pediu permissão para Ary, que não a concedeu, para botar outros versos na canção. Ignorou a negativa e criou a nova letra mesmo assim, substituindo a Grota Funda por um Rancho Fundo. Mas não há consenso se houve o pedido e se foi negada ou não a autorização. Fato é que foi a letra de Lamartine que ficou para a posteridade; e que na primeira gravação, com Elisinha Coelho, em 1931, Ary tocou piano.


Detalhe: Chitãozinho e Xororó alteraram o final da letra. Trocaram a cabrocha por uma morena, e, para manter a rima, recriaram os versos: "O sol queimando / Se uma flor lá desabrocha / A montanha vai gelando / Lembra o aroma da cabrocha".