quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Dois anos de Brasília

Há um ano, eu completava um ano de Brasília. Até então, eu não estava entendendo bem, mas nunca deixei de confiar nas minhas escolhas. A mudança para o cerrado foi, talvez, um pouco brusca, motivações meio nubladas, mas alguma coisa aqui tinha sobrado pra eu fazer desde que parti, naquele fevereiro de 2011, depois de insuficientes dez meses. Há um ano, eu não entendia bem.

"Brasília é viva como os seres que têm vida", eu escrevi num poema muitos anos antes de sonhar que moraria na capital federal um dia. E ela segue me dando motivos para lhe escrever mais poemas e canções. A inspiração que eu colho aqui floresce até sem chuva. Precisa só destas cores lindas, do traço do arquiteto, deste céu absurdo e, principalmente, das pessoas maravilhosas que esta cidade jogou irreversivelmente na minha vida. Nunca terei agradecido o suficiente...

Mesmo com os tempos difíceis que temos vivido, fico tranquila porque sei que aqui também floresce inspiração para a luta. E hoje eu tenho mais que certeza: tenho amor. A ponto de usar este post celebrativo para agradecer até a JK por aquela ideia maluca de fazer este lugar existir. Mas agradecer principalmente a vocês, gente que colore, umedece e faz tanto sentido na minha história. Ah! E ao querido Niemeyer, por tudo, mas especialmente pela Torre de TV Digital. Nunca terei agradecido o suficiente, mesmo.



segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Grávida

Certo dia, eu acordei grávida. Não sei o que aconteceu, eu não estava assim ao dormir. E dormi sozinha, sem ninguém, sequer acredito no Espírito Santo (somente no santo espírito que tagarela embriagado comigo depois de algumas doses sem jeito).

De repente estava assim, grávida, e não sabia pra onde correr, nem pra quem contar. Tanta gente com quem posso contar e tão pouca gente pra quem eu posso contar. E contei pra mim mesma para ver se eu acreditava, mas acho que não.

Saí grávida, sentindo enjoos e medo. Cheguei à aula, a professora me estranhou. Viu-me triste e quis me abraçar, mas não deixei. Corri trabalhar, mas não queria trabalho, queria pranto, estava confusa e apavorada. Parei de fumar, e só fui almoçar porque eu já não era uma só. Passei no banco, no supermercado, na farmácia. Foram todos gentis, mas pensavam que estava tudo normal. Estava não. Eu estava grávida.

Em casa não chorei mais, controlei meu medo e meu mistério para poder encarar as mulheres estéreis de quem descendo. Elas me sorriam - um pouco encantadas, um pouco com dó. Eu jamais consegui corresponder adequadamente o cuidado que elas têm por mim, e agora, que estava grávida, elas acreditavam mais do que nunca que sou especial.

Fui dormir quase conformada, lembro do suspiro profundo que precedeu minhas tentativas em vão de pregar os olhos. A barriga já se mexia, alguém ali já saltitava, eu não encontrava posição, sentia todo o peso dentro de mim. Quis chorar e senti culpa - ora, que criatura pode chorar para transbordar um filho? Tentava lembrar, mas minha memória fora engolida pela barriga. Aquela pessoa que eu era ficava distante, como vista bem pequena no afastar-se de uma estrada, e eu não tinha outra saída se não fazer com que se reconciliassem meu desejo e meu destino.

Dormi porque não consegui mais não dormir. E quando despertei, a cama estava repleta de cores estranhas, mas vibrantes. Alguma coisa havia saído do meu ventre, mas eu não encontrei.

Tropecei numa clave de sol, andei pela casa à procura do meu filho, e estava tão leve que tinha que me esforçar para fincar os pés no chão. Procurei por todo o canto e aquelas cores ainda caíam de dentro de mim, como fossem o que sobrou daquela gravidez não planejada.

Aos poucos, o chão era feito de puras cores. Tanto, que a casa parecia outra agora. Era uma casa mais bonita, e parecia fazer mais sentido que antes. A doutora que cuida da minha alma me recomendou um pouco de repouso, e quando abri a janela, lá estavam todos os sonhos que eu tinha esquecido. Havia um vasto horizonte, barulho de água corrente, raios de sol e uma paz que eu nunca tinha visto, só imaginado. O céu estava aberto, e havia música tentando entrar em casa.

Eram duas músicas, na verdade. Deixei que entrassem e elas me fizeram companhia, disseram que logo viria uma terceira canção e que, só então, poderiam agraciar meu bebê.

Acabei lhes contando que eu não sabia aonde o bebê foi parar. Elas riram de mim: mãe de primeira viagem. Dentro de mim, já não havia um filho, mas sim, alguma coisa forte e definitiva que pulsava alegremente, sem se preocupar em acertar o compasso.

Nunca encontrei o tal bebê. Mas as cores ficaram pelo chão, a janela permaneceu aberta e, quando chegou a terceira música, elas me tranquilizaram, assegurando que esse tipo de parto é assim mesmo.

Até hoje, eu não sei bem o que foi que aconteceu naquele dia. Mas eu nunca mais fui a mesma. Nem minha casa. Nem meu coração.