domingo, 19 de julho de 2015

O amor em tempos sem Gabo

Eu tinha andado por Cartagena antes, de mãos dadas com Gabriel García Márquez, acompanhando com os olhos e o palpitar do coração a história de Florentino e Fermina, mas então eram outros tempos. A cidade hoje está muito mudada.

O mar continua lá, mas as águas são outras. Jogar-se nelas permite uma navegação tão sem fim, que dá medo de não voltar. Não medo. Mais aquele frio na barriga. O receio sedutor do que é desconhecido e irremediável. O azul está aturdido pelo cinza dos dias nublados de inverno, mas acaba que me faz lembrar o verde escuro de Copacabana, ou, com esforço, até o verde-marrom dos mares da minha infância. Mas o infinito do mar é sempre o mesmo, e é assim pra mim como foi pra Florentino também. E há de ser para muito mais gente que vai vir navegar em outras águas do mesmo mar.

Embriagada de poesia e amor pelo ar que um dia Gabo respirou, é como se não fosse permitido sair sem escrever. Escrever é sentir tanto que precisa transbordar pelas pontas dos dedos num teclado, para não explodir. E o que eu sinto é tão igual, mas as águas são outras. Passou muito tempo. Mas nem tudo muda tanto assim. "A sabedoria nos chega quando já não serve para nada". Mas ela fica aí, servindo para quem vem depois e a apanha no ar.


"Coisa bem diferente teria sido a vida para ambos se tivessem sabido a tempo que era mais fácil contornar as grandes catástrofes matrimoniais do que as misérias minúsculas de cada dia. Mas se alguma coisa haviam aprendido juntos era que a sabedoria nos chega quando já não serve para nada". 

(Gabriel García Márquez - O amor nos tempos do cólera)

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Reativa

Eu lembro quando eu era adolescente e morava na Vila Formosa, atrás de um clube. O quarto da minha mãe tinha uma sacada e dava para esse clube, e a melhor parte disso era que não havia prédios ou outro empecilho que me impedisse de olhar o mais longe que minha vista pudesse alcançar. Se prestasse bem atenção, dava pra ver as antenas de TV piscando lá bem longe, na Avenida Paulista.

Gostava de fazer isso porque, como já lhes confessei, me agrada a sensação de ser pequena. Eu me atirava no azul profundo do céu, e era melhor ainda quando era o azul escuro da noite. Era um mergulho, eu nem sei aonde eu ia parar, mas a sensação era boa. A vida toda pela frente. O horizonte todo pra ser mergulhado. O céu todinho pra se atirar.

Ontem, eu sentei diante do mar num dia chuvoso. O céu, entre o branco e o cinza. O mar verde verde, aquele verde escuro que me fez lembrar o escuro do céu visto da sacada do quarto da minha mãe, tantos anos atrás, uma outra eu. Você olha até o fim e não vê fim. Lá no fundo, caía um lindo temporal, que não ofuscava a beleza de tudo e não metia medo. A sensação era plena de paz. Aquela imensidão ali, olhando pra mim calmamente. Não lembro quando tinha sido a última vez que eu mergulhei.

Ainda estou embriagada por aquela imensidão. A mim, ela diz: calma. Quem tem uma certeza bonita como a eternidade, não se prende ao instante. A gente não tem, mas também devia fazer isso. Pra ser mais feliz. Pra ser mais forte.

A vida ainda é longa, o horizonte ainda convida para o mergulho, o céu continua profundo. A vontade de se atirar reaparece - ou é reativada. O coração transborda tão infinito quanto tudo isso. Só pode ser de amor.

Os tempos são turbulentos. Mas eu não. E se eu puder oferecer minha paz para vencer a guerra, meus braços já estão abertos.