quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Léo e Verônica

Será que há,
Será que é certo,
Será que sobrevive?

A nossa vontade de estar
De semear, de se plantar
E de ser livre

Será que é o tempo,
Será que é o espaço?

Será que tem tempo certo,
Será que é o contexto
Que está errado?

Será que o amor acontece?

Será que o amor acontece pra sempre
Em qualquer sempre
Em qualquer era
Ele começa?

Recomeça?

Será que sou sempre eu
Será que sou sempre ela?

Será que tem regra?
Será que me espera?

Será que é amor?
Ou será só
A minha própria
Primavera?

***
Na próxima segunda-feira, 3 de novembro, começo a publicar um novo conto, "Léo e Verônica", em dez partes. ;-)

sábado, 25 de outubro de 2014

Cordão

Na voz do Chico, que cometeu o terrível impropério de expor
sua opinião política e assim se tornou inimigo de classe
para a massa cheirosa do Leblon e dos Jardins.
Que estes permaneçam atentos para, a qualquer momento,
ver passar na avenida um samba popular.


Este lindo samba é pra ser um carinho no coração:

Da militância do PT, o bem mais precioso que esse partido construiu em 34 anos. Jovens, adultos e idosos cheios de coragem e vontade, que não esperam ninguém chamar, não têm medo de cara feia nem de intimidação, que carregam nos olhos e nas bandeiras uma determinação inabalável, banhada nas esperanças mais bonitas que temos, para defender o Brasil do elitismo preconceituoso, ignorante e arrogante que, até agora, não aceita que não são os donos do país;

Da militância do PCdoB e da Consulta Popular, cada uma a seu modo, sempre aguerridas, nunca titubeando nos momentos fundamentais da construção do nosso sonho coletivo;

Da militância do PSOL que esteve na campanha da Dilma neste segundo turno, pedindo voto nas ruas e nas redes, exibindo o avatar virtual com referência à presidenta, exaltando a criticidade de seu voto, destacando que seguirá na oposição pela esquerda. Essa militância pela qual eu sempre tive todo o carinho e todo o respeito, cuja companhia torna nossa luta mais virtuosa;

De tanta gente que estava afastada da política, da militância, que estava desesperançosa, desapontada, desmotivada... E encontrou bons motivos para voltar às ruas, não só encontrou como fez da força de suas convicções e esperanças a fonte da juventude do segundo turno desta campanha;

De tanta gente que nunca tinha se exposto em disputas políticas dessa ferocidade; mas, diante do que viu, não recusou o chamado e foi protagonista de uma virada que não foi numérica, mas talvez, histórica... Acho que um dia entenderemos a importância disso.

Não sei qual o resultado que sai das urnas amanhã. Mas, em meio a tanto ódio, tédio e náusea... Para mim, foi a mais bela das flores: esse cordão que construímos linda e quase que espontaneamente. Os filhos e filhas que não fogem à luta somos nós, não permitiremos que até o hino nacional eles privatizem.

Obrigada pela companhia. Obrigada por, mais uma vez, escancararem para mim o sentido das escolhas que sempre fizemos.


quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Que me perdoem aqueles que sentem ódio, raiva, medo. Eu sinto amor.

Que me perdoem aqueles que sentem ódio, raiva, medo. Eu sinto amor.

Eu sinto amor pelos sonhos que tenho, porque nenhum deles é individual e mesquinho. Sinto amor ao imaginar um mundo onde um ser humano não seja subjugado por outro. Sinto ainda mais amor ao perceber quantas pessoas imaginam a mesma coisa, e se movimentam para isso.

Seu ódio não me faz sentido, eu não vou falar com ele. Se você gritar, xingar, ofender, exibir num estandarte seus preconceitos ou esbravejar sua vontade de esmagar os outros pra chegar aonde quer, eu nem vou ouvir. Vou rir.

O amor explode em meu peito quando me dou conta de que agora, finalmente, estão acontecendo coisas pelas quais muita gente lutou. E minha insatisfação não tira de mim meu amor, porque eu olho ao redor e vejo gente lutando. Eu me instrumentalizo de amor para enfrentar o que não aceito.

Sinto o amor me varrendo a alma quando vejo tanta gente que estava afastada, que tinha desistido, que estava frustrada... Tanta gente voltando a empunhar bandeira. Tanta gente expondo nas roupas, nos rostos, no seu tempo a sua opinião, a vontade de disponibilizar a si mesmo para que o país avance num caminho de distribuição de renda, de causas humanitárias e justiça social. Amo a coalizão construída nesses marcos, e amo ainda mais a responsabilidade que essas presenças valiosas trazem.

Eu amo quando seu ódio empurra mais e mais pessoas para o nosso abraço.

Acho graça quando quem odeia não explica o próprio ódio. Rio das besteiras que tremulam sem poder justificar, sem assumir que não é ele mesmo o elaborador daquele ódio todo. Eu rio e sigo amando. Quem sabe esse amor forme um tapete por onde passarão pessoas que, fatigadas pelo ódio, se deixarão contagiar pelo amor à igualdade e ao respeito.

Quanto mais o Brasil se afastar do elitismo, dos preconceitos, da exploração como forma convencionada de relação social, mais eu vou sentir amor.

Se seu ódio é o melhor que tens, o meu amor é só um caminho para atingir sonhos ainda maiores.


***
É por isso que, neste domingo, vou de #Dilma13.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O relacionamento - 7 de 7

Para ler as partes anteriores, clique:

UM
DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO 
SEIS


Ora, mas é claro! O rapaz da lata de cerveja na praia de madrugada!

- Sim, foi uma boa dica! – sorriu para o desconhecido – Mas tenho uma ideia melhor para eliminar os danos definitivamente.

Teresa puxou o homem pelo braço para uma área do salão absolutamente visível para qualquer um que estivesse do lado de fora. Ele não entendeu o movimento, quando notou... Teresa tascou-lhe um beijo de cinema. Ao fim da cena, ele, ainda um pouco zonzo, olhou a mulher num misto de surpresa e graça. Esfregou os olhos com leveza, voltou a si e, parecendo ter entendido, só então lhe cochichou ao ouvido:

- Era aquele de laranja o responsável pela dor da noite de sexta-feira?

- O irresponsável da dor da noite de sexta-feira, você quer dizer.

- E fazendo isto a gente devolve a dor para ele?

- Ahan.

O desconhecido virou-se para seus amigos e deu uma piscadela. E Teresa outra vez o beijou ardentemente. Atrás do balcão, Romeu não entendeu nada. Os amigos do rapaz tentavam controlar o riso. Gentil investigava pelo canto do olho, estranhando, um pouco desconfortável. Imaginava que o show era para ele.

Teresa, beijos finalizados, deu a mão para o desconhecido e encaminharam-se até a mesa onde estavam os amigos dele.

- Amor, não me mate, estou praticando uma boa ação – disse o moço em direção a outro rapaz.

- Tomara que dê certo, pra que esse chifre horroroso que vocês cometeram sirva para alguma coisa! – o outro homem ria muito.

Teresa se surpreendeu mais por encontrar um namorado tão compreensivo que pela informação de que eles eram gays.

Gentil durou pouco mais de meia hora no bar. Ao entrar para acertar sua conta, teve de testemunhar mais alguns beijos de cinema. Fingiu não ver, mas até os paralelepípedos de Santo Antônio de Lisboa estavam embasbacados. Romeu fechava a conta do moço usando um olho, e com o canto do outro observava Teresa: conversava alegremente com seus três novos amigos, mal se dava conta da presença de Gentil.

Depois de se certificarem de que ele partiu mesmo, todos brindaram e gargalharam. Teresa sentiu-se aliviada. O peito murchou não como uma flor que murcha, mas sim como se antes ele estivesse artificialmente inflado, e, ao atingir seu limite, em vez de estourar como balão de festa, por ter sido cutucado, fura e esvazia-se até deixar um coração flácido no lugar daquele que já quase tinha explodido.

Com Romeu também à mesa, Teresa contou-lhes toda a história entre ela e Gentil. Ao narrar, revivia aqueles dois meses, recompunha fatos e expectativas, já sem lembrar com precisão a ordem cronológica. Em alguns momentos, a sensação era de muito barulho por pouca coisa. Em outros, ela se compreendia e se perdoava. Mas ainda tinha aquele restinho de tristeza melancólica guardado em algum canto do peito murcho, que se acendia nos espaços de tempo em que não havia nada a dizer.

Jonas e Paulo também contaram como se conheceram e o que viveram até chegarem até ali. Sem grandes obstáculos entre eles, os obstáculos quem lhes impôs foi o mundo, que, com essa idade, ainda não aprendeu que o amor entre as pessoas não deveria ser um fator de incômodo para ninguém. E se for, ué, que os incomodados se mudem.

Foi no sofá da casa de Jonas e Paulo que Teresa passou a última noite daquela pequena temporada em Florianópolis. Pensou que demoraria em conseguir dormir, porque fora um intenso final de semana, mas o cansaço era a maior das sensações naquele momento, seguido de perto pelo medo de perder o voo.

- Se prometer nunca mais agarrar meu marido, te esperamos para uma próxima visita! – brincou Jonas na manhã seguinte, antes que Teresa partisse de volta ao Rio de Janeiro.

O trajeto de volta não teve lágrimas, altivez ou déficit de dignidade. Entre os sentires, o que mais a ocupava era um bastante confuso: por onde será que tanta tristeza saiu? Superar uma paixão, esquecer uma história vivida, ou pior, esperada, com alguém é que nem equação logarítmica: quando te dizem o que fazer, parece impossível. Mas você resolve, e aí, parece que foi fácil. Como é que eu não tinha feito isso antes? A verdade é que fiz, e quem haverá de dizer que não foi no tempo certo?

O peito ainda estava murcho, parecia consequência do cansaço do corpo e da alma. Teresa não dormiu no avião, ficou observando as nuvens passarem, tentando enxergar o oceano lá embaixo. Era grande demais. Vai saber o que ele liga e o que ele separa.

No Rio de Janeiro, esperavam-lhe os alunos e algumas telas vazias. Resolveu pintar uma para Romeu, outra para Jonas e Paulo. Levou-as a Florianópolis no réveillon, foram muito bem recebidas pelos novos donos. Romeu pendurou no bar mesmo. Paulo emocionou-se com o presente. Era ótimo ser hóspede na casa daqueles dois, eram generosos, hospitaleiros e bem humorados. Sem contar que moravam numa chácara no Pântano do Sul, dava para ir a pé até a trilha da Lagoinha do Leste. Era perfeito, aquele encontro parecia coisa do destino mesmo.

***


terça-feira, 14 de outubro de 2014

O relacionamento - 6 de 7

Acompanhe aqui as partes:
1
2
3
4
5



- Não sabia que estava aqui. – ele gaguejou.

- Você não é o último motivo que eu tenho para visitar Florianópolis. Eu conheci primeiro ela, depois você – falou, meio ranzinza, meio debochada – A namorada não veio?

Só faltava não haver namorada nenhuma.

- Não, não. Nem sei por onde ela anda hoje, temos um relacionamento aberto.

Aberto é a puta que pariu.

Por que estava dizendo aquilo?! Teresa sentiu cócegas naquela parte do corpo responsável por produzir raiva. Relacionamento aberto?! Ora, e o que me importa? E não adianta esse sorrisinho maroto ridículo, canastrão! Antes de comover ou seduzir, vai se assemelhar àquelas bandas de pagode romântico bem cafona, de camisa multicolorida, óculos espelhados e tênis de plataforma. Cantando músicas que prometem ir buscar a lua, o sol, as estrelas, os cometas e até os buracos negros desta e de todas as galáxias em nome do amor.

- Ora, que bom para você. Desejo de coração que fique com ela e com todas as mulheres que puder.

Ele riu, ela não. Dito isso, Teresa se virou para o balcão, chamando Romeu para lhe servir outra dose. Gentil ficou no vácuo. Um pouco aturdido, afastou-se devagar, meio que olhando para trás, meio que fingindo que aquilo estava nos planos. Foi à direção de seu amigo, quase sem rumo, e sentaram-se na área externa do bar.

- Mulher, o que afinal você quer? – Romeu perguntou – Quer disputá-lo? Quem mostrar-lhe que está bem, para efetivamente sentir-se melhor? Quer esquecê-lo? Que curtir a dor? Eu não te entendo, de verdade.

- Eu quero é outra dose, Romeu. Porra.

O coração da carioca ainda estava disparado, custando a digerir a situação recém-vivida. Aberto?! Que tipo de gente meio que entra num relacionamento aberto, e diz isso a conta-gotas para as outras pessoas? Procurou desviar o foco de sua atenção para ver se controlava aquele sentimento esquisito, que escapava dela mesma na forma de respiração ofegante e um pouco de tremelique. Ao menos, a ela, parecia que estava respirando ofegante e tendo tremeliques.

Começou a correr os olhos pelo pequeno salão, pretensamente mansa, como que investigando reações, como que altiva. Apenas uma mesa estava ocupada, e eram três homens. Reparou que um daqueles homens não lhe era estranho e fixou o olhar nele por alguns segundos. Mas não se lembrava de onde o conhecia. Deixa pra lá.

Pouco tempo depois, chocou-se com o rapaz ao sair do banheiro.

- Acabaram-se os motivos de chorar? – ele perguntou sorridente.

Ela ficou muda porque realmente não lembrava quem diabos era aquela pessoa, mas era um homem bonito. Ele percebeu que a memória da senhorita falhava, e continuou:

- Talvez os procedimentos de redução de danos tenham surtido efeito.


***
Continua...

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O relacionamento - 5 de 7

Aqui você pode acessar as parte UM, DOIS, TRÊS e QUATRO.


Acordou ao lado do estranho sedutor. Estava muito cedo ainda, e ele já precisava partir. Recomendou-lhe que dormisse mais e que esquecesse Gentil.

- Não vou procurá-lo, te falei! – ela garantiu – Eu ainda tenho algum resquício de dignidade.

O paraense riu, beijou-lhe os lábios e saiu sorrindo. Dentro do quarto, ela sorriu de volta, para si mesma, e voltou a dormir.

O domingo começou ao meio-dia. Teresa deixou o quarto com sua tristeza em direção à Lagoinha do Leste, sua praia predileta. Nunca foi até lá na companhia de Gentil, porque é necessário percorrer uma trilha para atingi-la, e ele não era muito chegado a grandes esforços – imagine, se nem de um namorico à distância o paspalho dava conta.

Ficou ali, sentada diante do mar, durante um tempo que não calculou ou controlou. O vai e vem das águas, a quebra desigual das ondas, o horizonte bem distante, lá no fundo, tudo parecia dar conselhos. Mas não era nada do tipo “ele não te merece”. Era mais como: “passa”.

Não que a dor passe. Isso se ouve das mães desde crianças, quando se abre um machucado no corpo. Passa. Depois de adultos, não é a dor que passa. É você que passa. E faz a opção de carregar aquela dor ou não. Teresa olhava o mar e não encontrava o fim dele. Seus olhos fixaram-se no horizonte, olhando tudo que havia debaixo daquelas águas. Tanta coisa se passou. Tantos caminhos elas já devem ter conhecido, tanta gente já deve ter se deixado levar por aquele movimento. No fim, o sofrimento de agora é pequeno mesmo, porque o agora é pequeno demais.

Antes que ameaçasse cair o sol, ela se levantou e pegou a trilha de volta. Cansada, sentiu-se melhor pela primeira vez em... Dois dias.

E foi a Santo Antônio de Lisboa. Caminhou pelas ruazinhas inadvertidamente, a passos lentos, como quem não quer chegar a lugar nenhum e não vê problema nisso. A noite rasgou o céu, trazendo-lhe uma certa nostalgia, aquela dorzinha insistente no peito, uma tristeza melancólica que não cessava, mas era só o restinho dela. Talvez fosse só o fim do domingo, o fim da viagem. Vai saber.

Voltou ao bar de Romeu. Ao avistá-la, o amigo riu:

- Foi boa a noite?

- É, foi sim, o sujeito era legal.

Sentou-se ao balcão pela terceira vez em três noites. Agora, com menos gente no bar, contava com a companhia do velho amigo. Teresa parecia calma, mas o corpo estava cansado. A alma também estava esgotada, coitada. Chega, Teresa. Deu.

Não demorou muito tempo e um rosto bastante familiar adentrou o bar, falando alto e dando risadas. Seu peito fez-se água e escorreu pelo sangue. Era Gentil, acompanhado de um amigo.

Ele a viu e se dirigiu até ela, sem jeito, um pouco surpreso pelo encontro.

- Tudo bom?

- Tudo sim.


***
Continua...

Pela universidade pública e pela minha própria história como lutadora social: VOTO DILMA neste 26 de outubro.

Greve Geral contra a flexibilização
da CLT - nov/1999
Eu comecei a militar no movimento estudantil. Fiz parte do CA da ECA (Escola de Comunicações e Artes) e do DCE da USP. Na minha primeira semana de universidade, algumas turmas ficaram sem aula porque faltavam professores. Faltava dinheiro, diziam.

Mas à Faculdade de Economia e Administração não faltava dinheiro. Ah tá, eles tinham o dinheiro de fundações privadas que, como sanguessugas, atuavam no espaço da USP, usando o nome da USP, professores da USP (que acabavam não cumprindo adequadamente suas obrigações com a graduação) e repassavam uma parte da grana à faculdade. Mas isso não é privatização? 

Calma. Greve, vamos fazer greve. Todas as estaduais, USP, Unesp e Unicamp. Não podemos aceitar a privatização da universidade pelas beiradas, não podemos aceitar esse sucateamento! Morríamos de medo de acordar, um dia, com data marcada para o leilão das universidades. A gente resistia, resistia. E quando a gente resistia, vinha a polícia e descia o cassetete na gente. Eu mesma já tomei uma porrada tão grande no braço que passei dias usando somente blusa de manga comprida, para que minha mãe não se preocupasse ao ver a marca. A gente fazia passeata, a polícia jogava spray de pimenta. A gente parava a Paulista, a polícia batia na gente. O governador mandava, era política de governo bater na gente, desmontar a USP.
Porto Alegre, Fórum Social
Mundial - jan/2002

Não podia fazer greve, mas a gente queria disputar a universidade. Não dava, a gente não podia votar pra reitor. Nada no mundo é mais autoritário que a USP, cujo reitor é eleito somente pelo seu Conselho Universitário, um universo minúsculo, que tinha, na sua composição, menos de 10% de estudantes. Queríamos eleições diretas, queríamos voto paritário, queríamos democracia na universidade, nós também queremos falar! Aí, cercávamos a reitoria em dia de eleição, para pedir democracia, e vinha a polícia e batia na gente de novo.

Ao lado da USP, tinha a comunidade São Remo, com quem diversos trabalhos de extensão eram realizados. Mas eles lá, nós aqui. Os filhos das famílias da São Remo não estudavam na USP, não estudavam em universidade alguma. Havia os muros da universidade, havia um mecanismo excludente e elitista de seleção, havia acesso nulo a políticas sociais e de geração de renda e havia uma polícia truculenta para impedir que essa turma entrasse na universidade, em qualquer sentido de “entrar”. Nós achávamos que o espaço da USP era público, de toda a comunidade. Nós queríamos que as pessoas da São Remo também pudessem estudar na USP.

A gente lutava, uma luta de resistir. Passávamos finais de semana em reunião, apanhávamos da polícia em protestos, tínhamos propostas, ideias. Nas férias, fazíamos os congressos estudantis. Não podíamos permitir que as universidades públicas fossem privatizadas. Todos os dias, a gente acordava para impedir que a universidade fosse privatizada, fosse num leilão, fosse por mecanismos camuflados de privatização.
Belém, fev/2000: ato do Cobrecos
pela democratização da comunicação
denunciando os "festejos" da Globo e do
governo FHC de 500 anos do Brasil.

Infelizmente, meu estado continua sob poder do PSDB. Completaram vinte anos de governo. Alckmin, só ele, já foi governador três vezes, vai para a quarta gestão. No início deste ano, acompanhei com muita tristeza as notícias sobre a “falência” da USP. Acentuaram-se os problemas da universidade, manteve-se a repressão.

Enquanto isso, em âmbito federal, outra realidade passou a ser vivenciada. Afastou-se o fantasma da privatização, houve concursos públicos, ampliaram-se as vagas, novas universidades foram criadas, inclusive, pelos interiores, implementaram-se as cotas, aproximando o ensino superior de gente que, até pouco tempo atrás, nunca imaginou que estudaria numa universidade pública. A pós-graduação passou a contar com muito mais recursos do que sempre, a ponto de, minha turma de mestrado na Ciência Política da UFRGS, quase toda ela era contemplada com bolsa. Os doutorados oferecem possibilidade de vivência e estudos no exterior, investe-se na formação. Sem falar no Prouni.

Eu sinto uma dor amarga de ver o que aconteceu com a USP desde que eu a deixei. Ao mesmo tempo, sinto um orgulho danado de ver, no âmbito federal, serem implementadas políticas pelas quais eu e muitos lutamos, e não apenas lutamos, também fomos parte do processo de elaboração, em tantas manhãs, tardes e noites que perdemos aos vinte e poucos anos, quando a opção mais fácil teria sido curtir nossa juventude em dias de lazer.
Esta ficou famosa: greve das
universidades federais, set/2001.

Óbvio que existe ainda muita luta para fazer. Mas não é mais uma luta de resistir, é uma luta de avançar. Eu jamais vou deixar de me indignar, de lutar, porque aquela menina de dezenove anos ainda não encontrou todas as respostas, ainda não resolveu todos os problemas. Não deixo de lutar porque devo isso a ela, àqueles e àquelas que fizeram esse enfrentamento, às famílias da São Remo, a todos os que lutaram antes de mim para ver as mudanças acontecerem, e, principalmente, a todos que ainda virão.

Que as nossas lutas sejam sempre para avançar. Chega de lutar para somente se defender. É por isso, e para festejar um Brasil que combate o elitismo, a privatização, o sucateamento das instituições públicas, a repressão, que dia 26 de outubro, com toda certeza, eu sou DILMA 13. Por uma universidade pública, gratuita e de qualidade para todos e todas.

Minha turma no CALC (Centro Acadêmico Lupe Cotrim),
calourada em março/1999. Saudades.

domingo, 12 de outubro de 2014

O relacionamento - 4 de 7

Confira aqui as partes 1, 2 e 3.

Altivez, Teresa, altivez. Teve de superar de imediato a falta de dignidade, que nem uma pessoa que, ao tomar um susto brabo, cura a bebedeira num segundo. E como estava meio bêbada ainda, até pensou em sair dançando. Abordar um desconhecido qualquer e tacar-lhe um beijo na boca.

- Teresa, ao vê-la aqui, assim... Eu não posso me conter... Não há ninguém, eu disse aquilo para te afastar da minha vida, porque eu tenho medo do que sinto por você. Relacionamentos à distância são dolorosos, trazem muita insegurança, saudades. Não vou saber lidar com isso. Vou sentir medo de te perder e vou te atormentar, e você vai se chatear e eu vou te perder da mesma forma. E vou sofrer como já estou sofrendo agora.

Oh...

Foi quando Teresa notou: não são mais que oito da manhã. Não pode ser o Gentil acordado a esta hora na lagoa. Perder a dignidade tudo bem, mas perder o juízo já é vandalismo. Saiu andando, com um saco de meio quilo de camarão na mão. Precisava urgentemente encontrar um lugar para descansar.

Entrou na primeira pousada barata que lhe apareceu e dormiu cheirando a mar. Acordou porque o camarão começou a cheirar mais forte. A cabeça ainda doía. Gentil ainda não estava lá.

- Vagou que nem zumbi até de manhã? Teresa, você está precisando que alguém sacuda tua cabeça? – indagou Romeu.

Tomara que ele não viesse com aquela conversa de “ele não te merece”.

- Ô maluca, você poderia ter sido assaltada. Vê não faz a mesma merda hoje.

E ela voltou a beber, porque todo mundo sabe que a gente bebe pra esquecer.

Teresa ficou sentada ao balcão do bar lotado, com olhos perdidos na imensidão do nada, e um copo de vodca à sua frente. No fundo do copo, dava para ver a cara do Gentil. Tão bonito ele.

Não tardou a aparecer gente querendo prosa. Veio um e sentou-se ao seu lado, começou a puxar conversa. Ela não estava fazendo nada mesmo, então, respondia. Lacônica, no começo. Mas como a presença do outro começasse a lhe interessar, passou a responder melhor. Ele era comissário de bordo, e somente no dia seguinte voltaria ao Pará, onde vivia.

Comissários de bordo são os marinheiros da modernidade, ela pensava. Aquilo de um amor em cada porto. Sempre longe de casa, conhecer muitos lugares, passar boa parte do tempo no céu. Um amor em cada aeroporto, sem se apegar demais a nada nem a ninguém. Ah, se eu fosse comissária de bordo.

Quando algumas horas se passaram, Teresa já tinha contado ao novo amigo todas as razões que a levaram a Florianópolis e toda a ardência que seu peito sentia.

- Não devia sofrer tanto, ele não te merece. – sentenciou o homem.

Hum.

Enfim, resolveu contar algumas vantagens para se sentir menos ridícula. Disse a ele do prêmio que estava disputando no Rio de Janeiro, por um desenho produzido para a capa de um livro infantil. Também contou da viagem a Machu Pichu, feita antes de desgraçar sua vida ao conhecer Gentil – coisa de uns dois meses antes.

- Dois meses?! – ele se espantou – Do jeito que me disse, pensei que era coisa de ano!

- Ora, cale-se. A gente pode se apaixonar com uma semana e passar dez anos fingindo gostar de alguém.

Essa consideração inaugurou um assunto de horas sobre gostar, apaixonar, casar. Sabe-se bem como termina esse tipo de conversa quando é desenvolvida por um casal que acabou de se conhecer.

Saíram juntos do bar, sob olhares de chacota de Romeu.


***
Continua...

sábado, 11 de outubro de 2014

O relacionamento - 3 de 7

Parte 1 aqui
Parte 2 aqui


- Moço, o senhor me consegue uma cerveja dessas suas? Eu pago.

- Não estão para vender.

- Eu pago.

- Não estão para vender.

- Eu pago o dobro.

O homem usava um chapéu panamá. Tinha um rosto magro, comprido, decorado por uma barba rasa, que era um marrom meio iluminado. Era bonito. Deu logo uma lata de cerveja àquela louca, para evitar chatear-se. Só prestou atenção nos olhos dela segundos depois.

- Não chore não, moça!

- Pois eu quero é chorar, não me amole.

- Pois então chore, que chorar é bom. E chorar num porre é quase política de redução de danos.

Teresa desfez a expressão tristonha e olhou o rapaz como quem representa um ponto de interrogação. Não disse nada, desfocou sua vista para melhor refletir sobre aquela condição, e, quando notou, talvez muito tempo depois, os bêbados já estavam longe. Ainda cantavam.

Começou a desenhar na areia. Lembrou que, na bolsa, havia lápis e um caderno. Deixou as mãos andarem sozinhas pelas folhas, e elas produziram alguma coisa. Aos poucos, foi-se configurando um desenho inovador, inspirado, interessante. Um novo jeito de olhar para a tristeza que há intrinsecamente no mundo e no amor, um aglomerado de sentimentos confusos, que se combinam e se contrapõem a sentimentos desconhecidos e imprevisíveis que vêm de outrem.

Quando Teresa se despertou, nas primeiras horas da manhã, estava jogada na praia, ao lado de sua obra, e ela era horrível. Ainda tinha uma lata de cerveja quente pela metade.

Olhou ao redor, não havia ninguém. Havia, isso sim, uma dor de cabeça lancinante. Que ideia imbecil beber sem ter jantado. Pensou que acabara de atingir o fundo do poço, o subsolo que fica abaixo do fundo do poço, talvez até o magma terrestre. Ia chorar de vergonha de si, mas, enfim, já tinha chorado demais. Levantou-se, a roupa repleta de areia molhada, a cara amassada e toda borrada de maquiagem derretida. Lavou o rosto no mar e foi embora, carregando a sandália nas mãos. Não sabia aonde ir.

Pegou um ônibus, foi parar na Joaquina. Entrou de roupa naquela água estupidamente gelada, numa tentativa desesperada de conter a ressaca. Pior seria se pegasse uma gripe braba, afinal, por estar tão frágil, imunidade baixa, ela se tornaria uma pneumonia. Que Gentil chorasse eternamente sua morte precoce. Faria um desenho para registrar que morreu de amor. De amor nada, de desgosto. Ele se sentiria culpado para o resto da vida.

Começaram a chegar surfistas à Joaquina, e então ela saiu de lá. Foi à lagoa. Procurou camarões, queria comer camarão. Nada de morrer de pneumonia, vamos morrer por intoxicação alimentar. Choque anafilático. Qualquer coisa assim. Já que é para perder a dignidade, que seja de uma vez.

E porque a vida é mesmo cruel, lá vinha Gentil. Lindo como sempre, de chinelos, uma manhã de sábado lhe pulsando nos olhos.


***
Continua...

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

O relacionamento - 2 de 7

Acesse a parte 1 aqui.

Bebeu sozinha durante horas. Romeu mal conseguia lhe dar atenção porque, no bar, ele fazia as vezes de garçom, caixa, barman e até cozinheiro. O amigo se concentrava em alterar o rumo da prosa para que ela não pensasse somente no tal do Gentil. Tentava outros assuntos, perguntou dos quadros que ela pintava, falou que andava com paredes vazias, quis saber da escola onde lecionava, de novela, de qualquer coisa. Mas Teresa não estava para conversa mole, trazia uma expressão de dor, de rancor, de rejeição. Essa porcaria desse sentimento de rejeição.

Antes que Romeu fechasse o bar, ela decidiu sair andando. O álcool no sangue a encorajava a caminhar sozinha pelas ruas de Santo Antônio de Lisboa como se elas levassem ao Méier. Conversou com os paralelepípedos, choramingou para os poucos passarinhos acordados àquela hora. Chegou ao mar e desabou em prantos.

Nem sabia direito de onde vinha tanta dor. Não é racional. É só um homem, ok, eu sei. Saber disso não ajuda a parar de chorar. Saber que há muitos homens no mundo também não ajuda. Imaginar que ele não a merece não só não ajuda como dá vontade de se atirar ao mar com um paralelepípedo preso à perna. Dane-se merecimento. Não sou prêmio de maratona.

Gente que dá esse conselho só pode fazê-lo por não saber o que dizer. Não há outra explicação. O que eu deveria fazer então? Pedir que o candidato preencha um formulário e disserte sobre seus defeitos e suas qualidades, anexando um exame psicotécnico? Ou melhor, abro um processo de seleção dividido em três fases, para que todos os interessados ao posto se enfrentem e eu possa chegar ao homem de méritos suficientes. Ora, que bobagem. Quero ser livre para desejar o mais vil.

E aqueles que dizem, conformados, que “não tinha que ser”?! Esses são os mais odiosos. Porra, então, o que é que tinha que ser? Aquele que me quis e eu rejeitei, para quem disseram que eu não o mereço e que nossa relação “não tinha que ser”?

Vamos recuperar a história recente e imaginar o que é que tem que ser. Teresa pôs-se a rememorar seus últimos fracassos. O último ex-grande amor de sua vida compareceu à sua festa de aniversário, o que a encheu de alegria, para, em seguida, enchê-la de sublimes e sinceros votos de infelicidade eterna ao atracar-se contra uma mocreia voluptuosa que vestia preto. O anterior a esse foi superado quando deixou de responder e-mails ou mensagens de celular – por que diabos homem faz isso?! Ser derrotada pelo silêncio é acachapante. E antes, tinha tido aquele que simplesmente voltou para a ex, na maior cara de pau. Aquela sonsa.

Quando nasci, um anjo bebum, desses que tropeçam nas pernas, filosofou no boteco: vai, Teresa, ser gauche no amor.

Teresa, mesmo sentada na areia, cambaleava. Ao seu redor, todo o comércio estava fechado. A alguns metros, avistou alguns bêbados batucando e cantando felizes da vida. Que tipo de idiota teria tantos motivos assim para ser feliz àquela hora? Nem cerveja mais havia!

Havia sim.


***
Continua...

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O relacionamento - 1 de 7

- Eu meio que estou entrando num relacionamento.

A confissão lhe caiu feito bomba. Não que não esperasse. Aliás, desconfiava vividamente. Os telefonemas passaram a ser esparsos, as conversas, mais curtas. Ele já não gastava suas madrugadas na internet em conversas virtuais que acendiam o peito e o corpo em contraste com o escuro do quarto e da solidão. Já não comentava com ela as desventuras do Botafogo, nem procurava saber quando o visitaria em Florianópolis.

Também, que havia de fazer? Namoro à distância já é problema. Namorico, então... Não é problema porque não existe. É um pré-namoro, é um feto, é um antifeto, é uma coisa qualquer que poderia ser, mas não é.

- Ora, Gentil, que vou eu lhe dizer? – tentava parecer altiva – Você não me deve explicação alguma.

O que disse?! “Não deve explicação”? Claro que deve! Não só deve, como devia ter dado antes! Esperar agora? Véspera de seu embarque?

- Não se preocupe comigo.

A boca não falava o que o coração elaborava. Era o susto.

Decidiu, altiva, manter a viagem programada. Ora, cancelar voo dá prejuízo. Além do mais, ir a Florianópolis sem mais ter nada com ele mostraria que ela nem se importava com aquele tal de relacionamento. Florianópolis com ou sem você, tanto faz.

O que mais lhe doía era aquele diacho de sentimento de rejeição. Teresa e Gentil poderiam significar nada um para o outro dali a poucas semanas, simplesmente porque perceberiam que não combinavam. Ou porque brigariam por causa de política. Ou poderiam ficar juntos até esgotar a vontade, e, depois disso, mal se lembrariam do nome um do outro.

Mas não. Prematuramente, o manezinho lhe informava que havia outra mulher em sua vida. Isso traz a fúria dos deuses gregos ao corpo dos mortais, e o que era um namorico que tinha a distância como componente divertido passa a ser uma paixão incontrolável que tem a distância como obstáculo. Ora, se ele estava aberto para meio que entrar num relacionamento, devia ser com ela, não com uma fulana qualquer que nem tinha entrado na história. Quem ele iria namorar? J. Pinto Fernandes?

Teresa embarcou, altiva. Chorou no avião durante todo o trajeto, sem altivez alguma. Uma hora e meia separava o Rio de Janeiro de Florianópolis, era lágrima pra caramba. Desceu do avião e ninguém a estava esperando.

O jeito é beber. Foi ao bar do amigo Romeu.


***
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quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Não acredita não, Teresa

Onde foi que eu pus
O amor que encontrei
Borbulhando por ruas
Escuras, macias, indignas, tortas?

Onde eu larguei a mania
De me apegar ao que não conheço
Como quem sente o vento no rosto?
Para, depois, se preciso for
Rir alto na cara do susto

Quando foi que me convenceram
A ser certa, serena, racional
A me proteger dos meus desejos
A repudiar meus impulsos
A dominar minhas doces fraquezas
Tão honestas?

Em que curva desta ilha
Eu me perdi
De mim?

***
Esta poesia introduz um conto que publicarei em cinco partes a partir de amanhã (quinta-feira, 9 de outubro), diariamente às 17h. Chama-se "O relacionamento" e conta a história de uma moça chamada Teresa. :)