segunda-feira, 28 de julho de 2014

Xote Sem Fronteiras



Bastou eu ouvir uma vez. Já tinha me apaixonado. A música era instrumental, de autoria de dois grandes músicos de Porto Alegre, Vinicius Ferrão e Iuri Barbosa, ambos integrantes da Tribo Brasil, que é uma banda maravilhosa do Rio Grande do Sul. Pedi-lhes permissão para escrever uma letra para aquela preciosidade, isso era outubro de 2013. Nove meses depois... nasceu.

Confira o resultado abaixo...





XOTE SEM FRONTEIRAS

Eu já andei de pé descalço
Eu já andei de caminhão
Eu já rolei um morro abaixo
Já fui do mar e do sertão

Pelo caminho eu conheci minha viola
Que me ensinou que pra falar precisa ouvir
Quanda ela canta, não precisa de palavras
Deixa a gente emocionada
A dar sorrisos por aí

Me embriaguei na melodia de uma flauta
Que balançava ao som de um acordeão
Formando a música que o corpo leva
E toda a alma fica leve
Que nem bola de sabão

Eu já andei na corda bamba
Pulei fogueira de São João
Ouvi chover versos de samba
Fiz do batuque o meu trovão

E se me chama pra dançar, eu vou
Aiai, eu vou
Aiai, eu vou
E como um passo que ninguém espera
A chuva traz a primavera
A florescer refrão de amor

E se me chama pra cantar, eu vou
Aiai, eu vou
Aiai, eu vou
E da semente que eu plantei no norte
No meu peito brota um xote
Sem fronteira em meu andor

Eu canto o dia e a madrugada
Fiz dos meus sonhos, plantação
Depois que eu vi que tenho asas,
Eu nunca mais pisei no chão
Pisei no chão, pisei no chão.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Sobre os secadores, os intolerantes, os babacas e o que a mídia tem a ver com tudo isso

 

Estou absolutamente embasbacada com a quantidade de estupidezes anti-Argentina que inundaram a minha TL nos últimos dois dias. Acho bastante triste que um dos legados desta sensacional Copa do Mundo seja o acirramento idiota de uma intolerância injustificável entre brasileiros e argentinos. Vejam que eu cuidei bem da palavra a ser usada: INTOLERÂNCIA não é rivalidade.

Estive em Buenos Aires duas vezes. Meu pai assistiu às finais da Copa de 1998 lá. Tenho amigos e amigas que vivem, viveram ou viverão lá. Tenho amigas e amigos argentinos que vivem aqui. É com base nessa experiência que desde que me conheço por gente acho essa "rivalidade" uma babaquice, sabe por quê? Porque sempre me pareceu que ela faz mais sentido pra nós que pra eles. E não precisa me dar exemplo do fulano, do beltrano ou do ciclano pra me contradizer. Poupe seu tempo.

Nunca embarquei nessa. Ao contrário, sempre me incomodaram as propagandas monotemáticas de época de Copa, reafirmando essa palhaçada; sempre me incomodou a abordagem de boa parte do jornalismo, alimentando essa palhaçada; sempre me incomodaram as exclamações galvãobuenescas dramatizando essa palhaçada.

No dia seguinte da derrota vexaminosa que o Brasil sofreu para a Alemanha, uma repórter da SporTV suspirava: "É... Agora é torcer contra os 'hermanos'". Não sei se fui só eu, mas achei de uma idiotice milenar. Afinal, é a naturalização da palhaçada. Tornou-se automático de tal forma, que o Lancenet!, do qual deixei de ser leitora, cobriu a final da Copa do Mundo no twitter com a hashtag ‪#‎SomosTodosAlemanha‬. Quando os questionei, recebi a seguinte resposta: não somos isentos, somos brasileiros antes de tudo.

Ser brasileiro tornou-se sinônimo de ser anti-Argentina para essa mídia tosca e semeadora de toda espécie de ódio e rancor. Eles mesmos: esse jornalismo esportivo de merda que alguns fazem por aqui - tomando cuidado para evitar generalizações, afinal, nem todo veículo embarca nessa linha editorial de merda e nem todo(a) repórter compra essa abordagem de merda -, e essa publicidade de quinta categoria, que tem a criatividade de um caramujo.


Eu lhes afirmo que essa richa boba faz mais sentido aqui que lá. E se você espernear e contestar e achar um absurdo e contar do dia que você encontrou um argentino na rua e não foi bem assim, tudo bem. Eu responderia: mesmo que fosse uma coisa mútua, de mesma dimensão de lado a lado, ainda é muita cretinice permitir que uma rivalidade de futebol ultrapasse os limites da brincadeira com o esporte.

A torcida anti-Argentina por parte de alguns era tão voluptuosa quanto num clássico brasileiro. Estou certa de que os hermanos não esperavam essa rejeição toda. Mas o pior vem depois: eu realmente temo que, finalmente, como tanto provocou a mídia brasileira, ela se torne visceral de lado a lado.

Cada um torce pra quem quiser. Não estou cobrando nada de ninguém. Nunca usei o argumento da solidariedade latinoamericana, afinal, minha solidariedade é tão grande que eu a distribuo a baciada pelo mundo, e, no futebol, eu a dedico aos holandeses, que são europeus, ricos, e nunca ganharam uma Copa, como vocês sabem. Eu torci para a Argentina na final por causa do Messi. Tem gente que torceu por solidariedade latina, e tá certo também, cada um com seus critérios. Teve gente que não queria a Alemanha campeã por nos ter imposto tamanha humilhação nas semis. E teve gente que torceu para a Alemanha por x, y, z também. Tranquilo. A questão é: como ouvi de um jovem advogado argentino outro dia, eu também não entendo como num campeonato de seleções nacionais alguém saia de casa para torcer contra o time do outro. Percebam: não a favor de um, mas contra o outro. E com tanta raiva.

Ah, mas eles fizeram uma musiquinha escrota contra nós! Gente. Quase tenho vontade de cantar música de ninar pra quem se ofendeu com a musiquinha. Eles reivindicam a Copa de 90, que nem ganharam, e desde a qual o Brasil foi campeão duas vezes. Se eu fosse você, eu ria da musiquinha enquanto tomava uma boa gelada no bar.

Ah, mas eles dizem que Maradona é melhor que Pelé! - Putz, fodeu. Vamos ter que tratar disso no Tribunal de Haia.

Ah, mas eles são arrogantes! - Essa é a melhor. Porque é tipo o roto falando do rasgado, como dizia a minha avó. Afinal, humildade não é propriamente uma das habilidades do futebol brasileiro, torcida inclusa.

Ah, mas eles são racistas! - Ok, fale mais sobre como é torcer para a Alemanha com essa justificativa.

Enfim, só peço que pense um pouquinho se essa intolerância toda faz sentido, ou se você não foi contaminado por um clima que "alguém" inventou com uma única intenção: vender produtos e jornais. A crítica aqui é mais à mídia que a você, mas se você quiser vestir a carapuça também, tranquilo. Só não me responda com a mesma raiva que jogaram sobre nossos vizinhos do Cone Sul, porque eu moro aqui, você vai acabar me encontrando e eu vou te desafiar para um duelo de musiquinhas do qual somente um sairá com a honra intacta.


sexta-feira, 11 de julho de 2014

Uma maldição paira sobre a Seleção Alemã

A Alemanha nasceu saudável, loirinha e com uma habilidade incrível para lidar com o objeto esférico que se convencionou chamar bola. Forte, facilmente se antevia que se portaria como uma barreira intransponível diante de quem lhe quisesse ultrapassar.

Era dia da celebração de seu nascimento quando o indesejável aconteceu. A bruxa má não havia sido convidada para a festa e, ofendida, chegou numa explosão esfumaçada para decretar seu veredicto:

- Ouçam bem. A Alemanha crescerá em planejamento e táticas que produzirão grandes jogadores e conquistarão destemidas vitórias. Será capaz de derrotar as mais incríveis seleções do futebol mundial, e sobre elas erguerá suas maiores façanhas. Derrotará a beleza de Puskas, de Cruijff e de Maradona, interrompendo-a no choque contra sua muralha e sua inabalável frieza, que a manterá em condições de conquistar o controle quando o adversário se deixar abalar... Vai ter o mundo aos seus pés por três vezes e sua força será admirada em todo o planeta... MAS!

Ao ressoar do "MAS", todos os presentes se assustaram, produzindo um "OOOOH" num uníssono nervoso, temeroso, como jamais se caracterizaria aquela criança ali celebrada.

- Antes do pôr-do-sol do 24º aniversário de seu último título mundial, todo o revés histórico que até então lhe terá beneficiado será usado contra ela! Então terá uma equipe com mais que força, mas também com aquela beleza que herdou das derrotas impostas às adversárias de antes! Porém, essa beleza parará nas mãos de outra muralha, erguida por uma equipe menos poderosa, e, vendo-se incapaz de superá-la, a Alemanha sucumbirá nos pés geniais de um homem franzino que desenha o futebol em aquarela, e assim chorará a mais bela e risonha equipe que pôde construir, como terão feito Hungria, Holanda e Argentina antes.

E a bruxa desfez-se no ar, em gargalhadas sonoras. Desde então, nos imponentes castelos do interior da velha Alemanha Ocidental, ouve-se o eco dessa gargalhada, e quem a percebe está em pânico desde já esperando domingo chegar.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Vlucht

Com carinho, para a seleção Holandesa de 2014.

Pega a bola, solta a bola
Olha, salta
Corre, corre, corre

Voa

Olha, lança, atira
Se joga no sonho
Sem medo, sem peso

Recebe
Mergulha
Improvável belo concreto gol

A bola grudada no pé
Anda, anda, anda
Sem medo, sem pressa
Flutua

Parece tão fácil

Beija a bola com a ponta do dedão
Corre, corre, corre
Olha! Vai!

Nunca acabou
Nunca esgotou
Está sempre ali
A ânsia de eternidade
A chance do gol

No fim do jogo
Aos 47
Ela não morre

Ela vira e dança e revira
Saltita e paira no ar

Ela vive mais do que nunca
Não precisa de herói
Não se esgota

Corre, corre, corre

Que a eternidade é muito pouco
Vale mais
Manter milhões de olhos acreditando
No que veem

Voa
Que talvez nossa alegria
Resida na jovialidade
De sempre recomeçar
De levantar da pancada recebida
Do voo mal engatado

Que talvez o nosso brilho
Reluza também no charme incorruptível
Da primeira vez

Voa mais
Que, uma hora, o tempo pára de teimar,
E eu sei que os deuses do futebol
Também esperam ansiosos
A hora de confirmar:
- Agora sim nossa invenção está completa,
E a eternidade já pode começar.





quarta-feira, 9 de julho de 2014

Brazuca pra frente!

"Alegria é viver assim de mansinho, sem se importar DEMAIS com nada". 
(Guimarães Rosa)

Sobre o futebol de dentro do campo, não há muito a acrescentar. Está claro que o Brasil perdeu para uma seleção superior, e entrou loucamente despreparado para enfrentá-la. É interessante notar que todas as goleadas que aconteceram nesta Copa se deram entre grandes e/ou médias seleções. As menos tradicionais entravam em campo preparadas para enfrentar gigantes, e assim fizeram suar cada uma delas. Como Gana contra a Alemanha, como o Irã contra a Argentina, como a Costa Rica contra a Holanda.


Superado esse tópico - perdemos porque o outro time é melhor -, vamos para outro. "Pôxa, precisava ser de SETE"?!! Foi constrangedor ver os jogadores brasileiros tão desorientados, perdidos, derrubados em campo. Daí, algumas pessoas que acharam "uma graça" que a Copa inteira nossos jogadores chorassem ao som do hino nacional, que compreenderam condescendentemente que o capitão do time não tenha conseguido ASSISTIR à disputa de pênaltis que conduziu o Brasil às quartas-de-final, que entraram no clima proposto pela HORROROSA (como sempre) cobertura da mídia sobre a Copa, de tratar um craque contundido como um mártir tombado em batalha... Essas pessoas não podem AGORA reclamar da instabilidade emocional da seleção brasileira. É muita cara de pau que haja apresentador de TV e narrador de jogo reclamando agora da construção que ELES MESMOS encabeçaram.

Eu aprendi com Telê Santana a ser mais uma brasileira apaixonada por futebol. Vivi minha infância e adolescência ouvindo sobre a alegria expressa nos pés dos craques do Brasil. A irreverência de Garrincha ao tocar a bola com suas pernas tortas, o gingado do Zizinho, a ousadia de Pelé, que gostava de desafiar o impossível. Mas não precisa parar nos anos 60 não. Nossa seleção de 1982 é lembrada até hoje por amantes do futebol em todo o planeta, independentemente de não ter conquistado aquela Copa. Zico é idolatrado mundo afora (que o diga Wesley Sneijder), Sócrates é referência eterna, e Telê segue ensinando futebol por aí (é ou não é, Pep Guardiola)?

Claro que há um processo complexo de apropriação indébita da seleção brasileira por uma turma da qual a CBF é só um instrumento. Tem bastante coisa envolvida. Mas isso daria outra crônica. Aqui, só quero dizer que, para mim, o mais triste é justamente isso: afanaram-nos a alegria! E não foi hoje não, isso já leva alguns anos. Nesta Copa, ficava clara essa lacuna no fardo carregado pelos jogadores em campo, esse fardo de ser "a Pátria de chuteiras". Não são, não podem ser e acho complicado que se tenha essa expectativa. As lágrimas durante a execução do hino. A camisa do Neymar em campo na final. Ah, gente, pára, vai. Nada contra a sensibilidade - ao contrário! -, mas tudo a favor de que a alegria e a leveza voltem a ser marcas nossas. Parecem-me uma expressão melhor da nossa sensibilidade que a resignação e a autopiedade. Parece que até a velha Alemanha do jogo truncado aprendeu isso. Nunca imaginei que a alegria que eles demonstraram em solo brasileiro nos faria tanta falta.

Parece-me que enquanto houver essa adesão coletiva ao midiático discurso de que o futebol é a nação, de que a nossa dignidade está em jogo, nada vai mudar. Enquanto houver "família Scolari", enquanto houver o acesso privilegiado da dona Globo à nossa seleção (o que a torna mediadora quase que exclusiva da relação torcida-time), enquanto houver essa absurda confusão entre jogo e vida, travestida de metáfora, enquanto houver tudo isso, haverá instabilidade emocional até do mais duro volante em campo.


Se eu pudesse dizer alguma coisa, eu diria ao David Luiz. Querido, fique tranquilo, você não destruiu os sonhos de ninguém. Fique tranquilo, você não merece arcar com essa responsabilidade. Eu me orgulho por ser sua conterrânea porque você realiza seu trabalho tão bem que se tornou um dos melhores do mundo, independentemente de vencer a Copa. Eu me orgulho por ser sua conterrânea porque você sabe que seus gestos fora de campo influenciam pessoas, e procura ser um bom exemplo. Você é.

"Não deu, galera". Simples assim. Temos a melhor - e mais cara - dupla de zaga do mundo. Mas não temos um meio-de-campo sequer razoável e uma terrível "crise de quadros" no ataque. Temos um treinador que sempre teve esse mesmo estilo de jogo, e não adianta levantar bandeira de "ousadia e alegria" porque não há treinadores brasileiros que trabalhem com essa insígnia atualmente. Porque taticamente tomamos um nó, porque não tínhamos uma boa jogada para além do "passa pro Neymar". É só futebol, gente. Não é a vingança dos povos, não é a redenção dos oprimidos, não é a justiça histórica. É um campeonato muito legal, que acontece de quatro em quatro anos.

Se tivesse havido mais leveza, mais alegria, menos lágrimas e menos fardo, ainda teríamos perdido para a Alemanha. Mas não de sete.

PS 1: Valeu, Klose, a cara do Ronaldo foi impagável!!!!

PS 2: Eu não torço pelo Brasil, eu milito por ele. No futebol, minha torcida é para que vença a beleza, pra ter espetáculos, pra resgatar aquela coisa de que o Telê me ensinou a gostar. Se a ideia de que isso é possível sagrar-se vitoriosa dentro de campo, eu me sentirei realizada. Pode chamar de saudosismo, que eu nem ligo! 

quarta-feira, 2 de julho de 2014

O amor

Sentir amor é ótimo. Mas mais ótimo ainda é saber não aprisionar o amor num só lugar.

O amor não está guardado numa pessoa, aprisionado a um time de futebol, fechado dentro de uma banda, grudado numa carreira. O amor pode estar em tudo isso, e espalhado, ainda, por muitos outros espaços menores. Pode-se sentir amor por estar numa cidade, por seu sonho, por um hábito feliz - como o de praticar seu esporte predileto, escrever no seu diário, observar o pôr-do-sol num bom lugar.

Amor pela sua fé, amor pelas coisas racionais em que você acredita. Sentir amor é extrair prazer do objeto amado. Amor não pode ser perturbador, amor é para libertar você da mesmice, da tristeza, da falta de esperança. Sem amor, não se fazem grandes coisas.

O amor amplia seu mundo, para que você possa colocar amor no que faz, ver o amor se desdobrar pelas várias dimensões da sua vida. Somente com amor, é possível perceber que o pai é, no mínimo, o universo. E que a mãe é, no mínimo, a Terra.

(com amor para Maiakóvski, Caetano Veloso e Renato Braz)