segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Herói Humano

Era um herói tão humano
Que algo lhe iria assustar.
Para os outros, destemido.
Para ele, alguém a buscar
Uma coisa que perdera
N'algum outro lugar.

Não sabia bem o que era,
Nem onde iria encontrar.
Saiu a ganhar o mundo,
Chamando na flauta a dó
De quem nada tinha a ganhar.

Certa vez, nosso herói
Atravessou um deserto
Sozinho.
Nem percebeu o caminho.
E quando chegou, cansado,
Mal teve o tempo parado
De orgulhar-se de si.
Logo viria a partir,
Desbravar novas terras inglórias,
Recompor-se no som da memória,
No tom das dores ardidas
Cantadas em verso e prosa
Em todo canto da vida.

E ele não temia.

A montanha era alta,
As árvores, pouco amistosas,
O chão, superfície rochosa
A desafiar sua flauta.

O frio não lhe assustava,
O escuro era seu camarada.
As pessoas eram sem rosto
Os livros não tinham consolo.

A flauta ainda cantava...

E seguiu, sem armadura.
Como fosse familiar.
Mas tudo mudou de figura
Quando o herói chegou lá...

Lá era maior.
Fez caretas para assustar.
E nosso herói destemido
Preferiu o trajeto voltar...
Por vias sem acidentes,
Para bem longe de lá.

E quem poderia supor
Que o calcanhar de aquiles
Do bravo compositor
Era lá
Maior do que a própria montanha,
Que toda blasfêmia e infâmia,
Que com as próprias mãos escalou?

sábado, 17 de agosto de 2013

Professor Darcy Alves

Porto Alegre e seus personagens...
***



          Ele nunca lecionou, nem cursou magistério ou algo que o valha. Mas é professor para aqueles cuja noite ilumina com seu canto e seu violão. É professor porque é uma referência de música, de boemia, de alegria, de disposição.

           Professor Darcy Alves acompanhou gente muito grande como Lupicínio, de quem foi amigo, e Jamelão. Nas noites de quinta-feira no Parangolé, lá vinha ele trazer Noel, Chico, Lupi e tanto outros para nos fazer companhia, fizesse chuva, lua, frio ou calor. Em outros dias da semana, lá estava ele também. Fumando seu cigarrinho do lado de fora, bebendo sua cerveja, contando histórias e até dando conselhos.

- Como vai o senhor, Professor?

- Melhor agora que você chegou!

            Ele diz isso para todas. Com o mesmo charme e sorriso cativante.

- Oi, minha cantora predileta.

            Ele provavelmente também diz isso pra todas. Eu finjo que é só pra mim.

            Eu já disse inúmeras vezes ao seu Cláudio. Temos que botar um banquinho de concreto na frente do Parangolé, e uma estátua do Professor sentado fumando. Ele fuma de pé, mas isso é porque não tem o banco. Uma coisa tipo Drummond em Copacabana. Com um sorriso enorme e uma cara de quem tá cantando.

            Com os amigos de bar, rimos que ele é um patrimônio de Porto Alegre. E é mesmo. Um patrimônio que foi tombado aos poucos, “devagarinho, de mansinho, que é pra não cansar”. Vai ver esse é o segredo da vitalidade.


quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Ao professor Nicola, do Colégio Agostiniano São José em 1991

Eu sempre gostei dos versos, sei lá por quê. Sempre gostei, desde pequena. Lembro que quando a forma de escrever era livre, na escola, nas aulas de redação, eu escrevia poesias. Não conhecia Drummond, Bandeira, Florbela. Mas achava legal me expressar assim.

Um dia, tinha um professor de História, que pediu pra gente escrever sobre os aposentados. Escrevi em versos. Lembro bem.

Lembro que ele leu meu poema pra turma toda e me fez prometer que eu nunca deixaria de escrever poesia, mesmo se, nas palavras dele, "um namorado não gostasse" do que eu faço.

Pois hoje, eu diria, pro meu professor Nicola, se tivesse oportunidade, que nunca ninguém me tirou e nem vai tirar, da poesia. Escrevi um livro. Tenho material pra mais. Tenho vontade pra mais. Tenho tempo e prioridade. Pra mais.

Na minha vida não cabe ninguém que não goste do que eu faço. Críticas ao que faço, recebo. Críticas ao tempo que dedico, não.

Fique tranquilo, meu profe. Não vou deixar de fazer o que tu me viu fazer há mais de 15 anos. E aquele incentivo, nunca esqueci. Queria que tu lesses isto, pra se orgulhar de mim hoje. Porque sou grata de tê-lo encontrado há esse tempão atrás.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Eu devia...

Eu devia ler mais textos de Ciência Política
De Paleontologia
De Análise Sintática
Devia ver mais futebol, ir mais à praia
Devia ler cartas de amor dos outros
E reler as minhas

Devia ver uns filmes
Ouvir músicas novas
Acho que devia aprender a surfar
Dar cambalhotas
Devia gastar mais tempo no café
Devia desligar a TV quando escrevo
E ligar o rádio quando durmo

Eu devia ir à feira,
Acordar a tempo
Eu devia dar tempo
Ao tempo
Eu devia andar no tempo
certo
Eu devia ter errado menos

Eu devia nem me importar

Falar mandarim
Comer lambari
Andar de pé na areia
Pisar na lua cheia
Fazer ioga
tae kwon do
Devia saber digitar em braile
Cantar pra espantar os meus males

Eu devia fazer tanta coisa
Mas só fico que nem boba
Imaginando finais
Pra tudo que eu
Sozinha
Inventei.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A Clara Nunes, em seus 71 anos...

Um dia, um ser de luz nasceu. Era 12 de agosto de 1942. Filha de uma família pobre, órfã desde muito cedo. Lá pelas tantas, entregou-se ao sonho de ser cantora. Saiu do interior, foi para Belo Horizonte. Largou a fábrica, onde era tecelã. Foi para o Rio de Janeiro. Lá, havia quem dissesse que "ela não é cantora". Procurou-se em diversos estilos e modismos até encontrar-se na mais autêntica e genuína música popular brasileira. Filha de Ogum com Iansã, primeira mulher a estourar em venda de discos. Referência fundamental da valorização da cultura afro-brasileira, quis cantar as coisas do nosso povo. Quando ainda cantava boleros e músicas românticas, ao acompanhar Jair Rodrigues numa excursão de trabalho por Buenos Aires, ouviu-o recomendar: "canta um samba, que é o que eles querem aqui". Ela chorou: "eu não sei cantar samba".

Eu sempre me pergunto o que seria do samba, hoje, se ela nunca tivesse realizado seu sonho de ser cantora. Mas eu me pergunto mais é como seria o mundo hoje se ela não tivesse partido tão cedo.

Muito obrigada a todos os orixás por terem permitido que Clara tenha estado entre nós. Roubando os versos de Mário Quintana, "parece um sonho que ela tenha vivido".

A bênção, Clara Nunes!


terça-feira, 6 de agosto de 2013

A vida é mais longa que pra sempre

Eu sou noveleira confessa e não tenho vergonha.

Outro dia, não sei por que, lembrei de uma novela que vi muitos anos atrás. Muitos mesmo. Nem ficou para a posteridade, acho que era ruim. Era de 18h. Tony Ramos era o personagem principal, um cara que tinha memória de vidas passadas. Tinha vivido um grande amor impossível, acho que foi morto por isso e, em seu leito de morte - ou no dela, não lembro -, combinaram de se encontrar numa vida posterior. E lá estávamos nós acompanhando a vida posterior.

Ele tinha consciência de estar procurando essa mulher da vida passada. Chegou a um velho casarão que quase caía aos pedaços, e lá estavam uma moça (Viviane Pasmanter), um senhor idoso (Elias Gleizer) e uma criança (x). Todos muito pobres, sem teto. Tornaram-se grandes amigos dele, parceiros nessa busca. O casarão tinha a chave da resposta. Foi lá, em séculos passados, que a história andou.

O mocinho se apaixonou por uma mulher (Helena Ranaldi), e outra se apaixonou por ele (Paloma Duarte). Esta, sabendo da ânsia do Tony Ramos pela princesa da sua lembrança, chegou a se fazer passar por ela. Ele tentou, a novela inteira, descobrir em qual das duas residia sua "Valentina" - o nome dessa personagem foi o único que eu não esqueci.

No final da novela - cujo nome não lembro de forma alguma -, a mulher que tinha sido seu grande amor na outra vida era aquela que, agora, se tornara sua melhor amiga (Viviane). Apaixonada por outro. E ele, pela Helena Ranaldi. Não terminam juntos, porque cada um tem seu próprio final feliz nessa vida que acompanhávamos. Tinham amor um pelo outro, amor de amigos, de companheirismo. Cada um tinha sua própria vida, afinal, sem serem reféns do destino ou de uma promessa feita há tanto tempo ( ! ).

Eu, adolescente que era, adorei a imprevisibilidade. Hoje, lembrando, gosto da ideia de que não há destino, nem "amor da vida". O amor está onde você o coloca, e sempre tem contexto. SEMPRE tem contexto. Tipo... viver agora aquele grande amor que você não pôde viver dez anos atrás talvez não faça sentido.

Imaginar finais para histórias que nunca puderam continuar é tarefa para roteiristas, escritores, poetas. A idealização do que nunca foi, rivalizando covardemente com a vida real. A glamourização do "se". A invenção do sim. Enquanto isso, a vida real acontece do lado de fora de si.

Quem presta atenção demais ao que passou sem nunca ter sido, somente cria novas situações de frustração para depois... O belo casarão sempre vai estar lá. Mas a Valentina não vai ser pra sempre a mesma pessoa.

sábado, 3 de agosto de 2013

Eu queria...

Eu queria tanto que não tenho...
Mas vou lhes dizer.

O que eu não tenho,
O mundo não tem também.

Hoje.
Por enquanto.

Eu queria que não houvesse disputas
Por um lugar
Porque haveria lugar
Pra qualquer um que quisesse
Seu lugar.

Eu queria que as pessoas não se protegessem,
Muito,
Porque um pouco, tudo bem.

Eu queria entender claramente.
E poder dizer claramente também.

Eu queria viver conforme penso,
E pensar conforme vejo
A vida
Sofrida
Ou não.

Eu queria cantar
Sem amarra
Alguma.

Eu queria...
Tanto que não tenho,
Um dia de sol
No frio,
Um dia de liberdade
No vazio...

Mas sei
(oh, eu sei)
Que desta dor, assim, pungente,
Sou eu só uma agente,
E alguém há de viver
Esta dádiva
Que construímos
Entre tanta gente.