domingo, 25 de dezembro de 2011

Uma luz que chegou de repente

Entre as tantas coisas maravilhosas que 2011 me deu, uma delas foi essa nova relação com a música. Porque eu sempre fui de samba, sempre cantei de brincadeira por aí. Mas Porto Alegre deixou eu imaginar mais, e imaginando é que você desafia o que está pré-estabelecido. É por isso que eu não acredito em destino. Porque eu gosto muito de imaginar.

Lamento-me todos os dias por não ter podido ver e ouvir Clara Nunes pessoalmente. Uma fatalidade terrível levou-a em 1983, quando eu tinha apenas 4 anos e ainda não sabia sambar. Ainda não havia para mim João Nogueira, Noel, Clementina, Adoniran. Mas alguma coisa acontece no meu coração desde que conheci a Clara nos discos.

A história toda de brincar de cantar aconteceu porque eu sempre pedia, a todas as rodas de samba que conhecia em São Paulo, para que tocassem "Conto de Areia". Nem sempre sabiam a letra. Aprendi a cantar para fazer a música constar do repertório de todo mundo. Em Brasília, com amigos, cantava Clara e João Nogueira - que eram, aliás, muito amigos. Um dia me ocorreu a ideia de que devia, já em Porto Alegre, promover uma homenagem a essa mulher que é uma grande inspiração pra mim e pra tanta gente. Vamos fazer um Tributo a Clara Nunes no mês de seu aniversário, propus ao querido Beto, do Comitê Latinoamericano. Bora. Ele topou.

Não era pra repetir, não era pra ter ideias a partir disso, não era pra se envolver. Era pra ter sido um episódio. Não foi. Tenho sorte de ter encontrado pessoas mára que também se sentem assim quanto ao samba, à música, à batucada. Tenho sorte de não ter me sentido tão ferida quando um ou outro(a) deixaram em entrelinhas o quanto é incômodo lidar com algo que está despertando. Claro, é muito mais fácil entrar no bonde andando. O bonde em que eu entrei mal saíra da estação e estava começando a trilhar seu caminho, um pouco inseguro, rumo a um destino incerto. E daí a incerteza do destino? O improviso é a alma do samba.

Aqui estou. Não para agradar a quem só gosta de coisa arrumada, mas vou tomando as providências cabíveis pra fazer isso bem... É porque não quero que a Clara se sinta constrangida por uma performance medíocre dia desses. Por outro lado, sei também que não precisa ter pressa, que as coisas se ajeitam, que o bonde encontra o rumo quando você encontrar. Eu sei que o samba é democrático, que cabe quem quiser sambar. Eu sei que o samba não é quadrado, "que não se ensina na escola". Ainda bem que, no caminho, aparece quem queira te ajudar, contribuir pra uma coisa que não é sua vontade egoísta, mas sim, um processo cultural envolvente. Ainda bem que nem todo mundo se incomoda com o despertar. Eu me apavoro é com a ideia de continuar adormecida.

Com isso, deixo um beijo em quem se identifica com o que está escrito aí acima. A quem apareceu na minha vida para ajudar a fortalecer isso. Inclusive, e talvez, principalmente, os amigos e amigas que foram assistir às apresentações, que gostaram da ideia, que apoiaram, que deram opiniões e que dançaram com a Feira de Mangaio. Foi inspirada por tudo isso aí que eu disse, que escrevi os versos do post anterior. Na certeza absoluta de que ninguém faz samba só por que prefere. E pedindo, todos os dias, a bênção de Clara Nunes. Saravá!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Curto Pavio - o enredo do meu samba

Aí está, pessoal... A letra do meu primeiro samba, para a qual meu camarada Aquiles está compondo a música... Quero saber as opiniões!
Curto Pavio

Acorde,
Venha ouvir estes poucos acordes
Pra dizer que na vida e no samba
Não é tudo agora
Tudo tem sua hora
Futuro não morde

É cantando que eu vou te mostrar
Quem é mesmo de samba não foge
Nem de improviso
Nem de um aviso
Pisar devagar

Quem tem medo de se perder
É quem nunca vai se encontrar

Quem me conhece é que sabe, sou curto pavio
Eu que não fujo da dor, e nem de desvario
Não é dia nublado que vai me apavorar

Não fujo de ondas no mar, nem de curvas no rio
Não temo corte, má sorte, a noite ou o frio
Invento o dia de sol e começo a cantar

Vem ver,
Que o céu clareou, não vai chover
O povo ainda está sambando
Sem qualquer limite
Sem qualquer convite
E assim tem que ser

Acorde logo pra vir olhar
O samba é a majestade descalça
Vem sem permissão
Pisa em qualquer chão
De qualquer lugar

Eu nunca temi me perder
No samba eu vim me encontrar

Quem me conhece é que sabe, sou curto pavio
Eu que não fujo da dor, e nem de desvario
Não é dia nublado que vai me apavorar

Não fujo de ondas no mar, nem de curvas no rio
Não temo corte, má sorte, a noite ou o frio
Invento o dia de sol e começo a cantar

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Nada

E no final,
Se você nem me olhar
Nem reparar
Se descartar

Nada apagará
A certeza de que
O que não foi
Era o que devia ter sido.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Domingo de não-futebol

Não sou uma dessas pessoas que se sensibiliza com a morte de pessoas que nem conheço, e nem acho que morrer deve ser tão ruim assim. Detesto essa coisa da imprensa de ficar que nem urubu acompanhando a agonia de quem, como diz o Chicó de Ariano Suassuna, vai se encontrar com o único mal irremediável. É simples assim: se o tempo nos leva tudo, para o bem e para o mal, por que não haveria de levar o corpo? De novo chamando Suassuna, tudo que é vivo morre. Eu não acho que seria legal se todo mundo fosse eterno.

Mas, poxa, o Sócrates bem que podia ficar mais um pouco hein? Pra escrever mais, pra emprestar seu brilho pra esse opaco e mesquinho futebol brasileiro. Pra sempre nos lembrar da seleção de 1982 e o que deveria ter sido e não foi. Pra criticar as estupidezes fartas que se veem na cartolagem. Pra ser um lampejo de sobriedade - sim! - no meio dessa normalidade mórbida e acéfala. Pra gente poder imaginar que vai ser diferente. Pra gente perseguir isso.

Não vou me alongar. Só queria também me despedir do Doutor. Baita figura. Queria que ficasse mais tempo por aqui. Lembrei ontem, em conversa com amigos, de uma frase que li ainda criança, e nunca esqueci. "O mundo, depois de ti, há de ser algo melhor, porque tu viveste nele". Obrigada, Doutor. Por nos oferecer a melhor referência de que as coisas não precisam ser como são.


Pro Doutor

Ei doutor
Se a gente não se encontrar
A turma manda avisar
Que ninguém aqui desistiu da peleia

Quem sabe
Num passe de calcanhar
A gente consiga lançar
A fagulha que incendeia


E fazer tremer a arquibancada
Um lindo lance, uma bela jogada
Democracia não tem carta marcada
O jogo é vivo e o sangue está na veia


Ei doutor
Os refletores do estádio embaralham a vista
E talvez a gente não te veja mais
Nem possa te ler nos jornais
Mas sempre segue o show do artista

O que está feito não se perde
As palavras, gestos e gols
Tudo o que você começou
A gente sabe que prossegue


Vamos comemorar
Até o que nunca foi
O título de 82
O dia em que vamos derrotar
Aqueles que não nos deixam sonhar.

E na sua despedida
Nós vamos brindar:
Ainda bem que estiveste com a gente
E vamos levar, daqui pra frente
Nos nossos sonhos, seus sonhos também.

Se a gente não vai se ver
Nem escrever novas histórias
A gente guarda o que tem
Num bom lugar da memória
O que é imenso
Pra ser só um minuto
Pra ser só silêncio

Ei doutor
Eis o apito, a partida acabou
Mas a gente continua a conversa no bar
Xingar ou saudar
Pra comentar
Pra resistir
E ao fundo, ouvir:
A música ao vivo são harpas chorando.


O mundo, hoje, ficou um bocadinho pior.