sábado, 30 de julho de 2011

O casamento

Porque "sempre" é um espaço limitado de tempo. E porque isso não é tão ruim.

Nem precisou de muitos olhares. O álcool acentua a sensibilidade, e, logo, sensíveis, encontraram-se. Dançaram impetuosamente e riam muito. Era instigante, porque era espontâneo, alegre e prazeroso.

E porque a boate não ficaria aberta para sempre, saíram rumo ao apartamento dele. Foi tanto amor ali que parecia que havia uma represa dele. Às sete da manhã, esticados na cama, ouviam-se. Mas logo, ouviram-se roncos.

Levantaram mais de duas da tarde, nenhum constrangimento. Esquisito: em geral, essa situação a deixava embaralhada, vontade de sair correndo ou de virar avestruz. Ele não, sempre foi sossegado. Mas os dois estavam mesmo muito confortáveis. Até que a fome aumentou. Era sábado.

- Quer comer uma massa deliciosa?, ele convidou.

Ela quis. Entraram no carro, era conversível, mas não desses chiques. Desses que já foram chiques um dia, mas esse dia, certamente, aconteceu décadas antes de ele adquiri-lo.

Muito vento na cara, e nem tava calor. Era outono em Porto Alegre.

O trajeto parecia longo demais. E seguia pela Free-Way. Não parou em Canoas, em São Leopoldo. Não parou. Ela nem ligou, riam horrores dentro do carro. Cantavam Chico.

- A gente podia se casar ao som de "O casamento dos pequenos burgueses", hein?, ele pensou alto.

- Mas sem aquela parte de um monte de filhos né?

- E por quê? Você não sonha ser mãe?

- Não. Acho que isso não é pra mim.

E foi essa a primeira briga do casal. Começou leve, mas ganhou contornos ríspidos. Ele teve de pedir desculpas pelo machismo. Ela teve que retirar os xingamentos.

Ficaram alguns minutos sem conversar, mas rápido outro assunto apareceu.

O carro parou, desceram em Canela, onde um restaurante italiano conhecido na serra gaúcha os esperava. Não esperava tanto assim, porque só abriria dali a uma hora, para o jantar. Quando abriu, a fome era tanta que não havia romantismo que segurasse os ímpetos esfomeados daqueles dois. E eles não estavam nem aí pra romantismo mesmo.

- Ei, repare só.

- O quê?

- Faz 24 horas que a gente se conhece...

E brindaram felizes ao aniversário de um dia. Com um espumante barato.

Não deu pra voltar pra casa, aquele carro sem capô acabaria lhes oferecendo uma bela pneumonia. Dormiram na serra. Abraçados, porque romantismo é dormir abraçado e sair de casa sem saber quando volta.

Ela chegou de volta à sua casa exatas 48 horas após sair para uma festa com as amigas. Cansada, nem quis avisar que estava bem. Estava ótima.

Dia seguinte os dois foram trabalhar, cada um no seu trabalho. Quem não é bom observador, nem percebeu que havia uma coisa esquisita no olhar de cada um. Os dias se passaram, a semana acabou. Foi o casamento mais rápido e intenso que o mundo já viu. Seus filhos foram dias de sorriso e vontade de viver.

Nunca mais se encontraram. Mas nunca mais desgrudaram um do outro e viveram felizes para sempre.
 
 
***
Pessoal, vou cumprir o resultado da minha enquete boca-a-boca, via twitter e via Face, tomar vergonha na cara, e escrever pelo menos uma vez por semana... Não garanto se continho, se crônica, se artigo, se futebol, se feminismo, se política, se vida... Obrigada por me incentivarem.