terça-feira, 28 de setembro de 2010

Que Flávio Dino e o povo maranhense vençam a eleição e o coronelismo


Em política, não vale aquela premissa do "não se meta onde não foi chamado". O bom político ou política não precisa ser parlamentar ou dirigente partidário. Pode ser militante de uma causa social, da sua categoria profissional, de um espaço geográfico em que atua. Importante, pra ser bom na política, é justamente a capacidade de se envolver com causas que não parecem diretamente suas, mas são, porque a humanidade é uma só. Como disse Che Guevara, o verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor.

É com esse espírito que quero registrar aqui meu apoio e minha solidariedade à candidatura de Flávio Dino, do PCdoB, no Maranhão.

O povo maranhense tem a oportunidade histórica de derrotar uma das mais conhecidas oligarquias coronelistas do país, que domina o estado desde a década de 60 e sobrevive até hoje. Que construiu seu poder e sua riqueza à custa da população de um dos estados mais pobres da federação, cujo IDH (índice de desenvolvimento humano) só fica à frente de Alagoas. O poder da família Sarney é tamanho que se estende para o Amapá, onde Sarney, o José, se elege senador da República. Os Sarneys controlam os principais veículos de comunicação locais, são donos de boa parte do estado, e muito amigos dos donos da outra parte. Ou seja: disputar contra os Sarneys é travar uma luta de Davi e Golias.

Dino é deputado federal, muito respeitado no Congresso, e tem trajetória política irrepreensível no seu estado. Juiz, sempre esteve do lado oposto ao da oligarquia. Sempre se dispôs a travar essa disputa difícil contra os donos do estado. Sempre foi um crítico ferrenho do coronelismo e da exploração. Sempre foi de esquerda, e portanto, sempre lutou para transformar o país e o Maranhão.

Roseana Sarney representa o atraso. Sua campanha se utiliza de todos os métodos para garantir votação. Um estado pobre, uma representante da principal oligarquia, uma conhecida história de desrespeito ao patrimônio público e à democracia. Equação montada.

Se Lula hoje apoia Roseana - nem quero entrar nesse debate -, a verdade é que é Flávio Dino que tem compromisso com as bases fundamentais do projeto que levou Lula à eleição em 2002 e 2006, e que fizeram de seu governo o mais bem avaliado da história, atingindo o incrível patamar de 80% de aprovação. Já Roseana Sarney é a sobrevivência de um tipo de política que deve ser eliminada de nosso país - tanto quanto o DEM, de onde ela saiu. Se temos avanços democráticos importantes hoje, o que a família Sarney representa para o Maranhão (e para o Amapá, e para o Brasil) está em total descompasso com o novo Brasil que Lula se orgulha de estar construindo.

Na disputa pelo governo do estado, a campanha de Flávio Dino é algumas centenas de vezes mais modesta que a de Roseana. Tem muito menos tempo de TV e acesso a financiamento privado - contra o que ele tem lutado no Congresso, na defesa de uma reforma política profunda e democrática, que rompa com a estrutura privatista do sistema político e eleitoral brasileiro hoje.

Dino foi candidato a prefeito de São Luís há dois anos, foi ao segundo turno e teve um desempenho surpreendente. Na ocasião, o PT o apoiou. Em 2010, o PT do Maranhão votou para marchar com Dino. O Diretório Nacional do partido impôs uma outra aliança, mas não pôde impor a candidata: mais da metade dos petistas maranhenses está efetivamente na campanha de Dino, na esperança, de novo, de vencer o medo e superar o lastimável atraso político, econômico e social que o estado ainda vive.

Se pudesse, eu pediria pessoalmente o voto de cada maranhense para Flávio Dino, 65. Não apenas porque ele está com Lula desde 1989, não apenas porque ele é de esquerda, sério, não apenas porque ele é uma referência importante do enfrentamento aos Sarneys no estado - e paga o preço. Mas principalmente porque o povo do Maranhão merece virar essa página, merece um governo comprometido com a democracia, a distribuição de renda, com um olhar minimamente republicano sobre a coisa pública. O povo do Maranhão merece compartilhar das riquezas que seu estado tem e produz. Isso não é favor de ninguém.

Pesquisas apontam que deve haver segundo turno e que Dino disputará com Roseana. A campanha da governadora tem mostrado preocupação com essa possibilidade: mesmo havendo uma profunda desigualdade entre as duas campanhas, o povo do Maranhão sinaliza que quer reescrever sua história e ficar livre da tutela de quem quer que seja, ainda mais de uma família que tantos percalços já trouxe ao Maranhão e ao Brasil. Essa é uma causa justa o suficiente para ter a simpatia e o engajamento de toda a esquerda.

Dia 3 de outubro eu estarei em Porto Alegre, onde voto e, orgulhosamente, espero contribuir para mais uma vitória popular no Rio Grande do Sul, votando em Tarso Genro. Mas boa parte dos meus pensamentos estarão no Maranhão. Porque será bonito demais ver um povo tomando as rédeas de sua própria história.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Fábrica de preconceitos com roupagem intelectual

Reproduzo, abaixo, carta que a socióloga feminista Maria Lúcia Silveira enviou à ombudswoman da Folha de S. Paulo, a respeito de lastimável artigo publicado por esse jornal no último domingo (mais uma da Folha, aliás), assinado por um tal de Pondé. Sei lá eu quem é esse senhor. Nem me interessa saber. Mas seu artigo "misógino e vulgar", como disse Maria Lúcia, despertou reações.

Boa leitura.


Caríssima Ombudswoman

Qual sua posição sobre os impropérios constantes sobre as mulheres que pensam (e segundo eles, isso as torna peludas e feias) do colunista L.F. Pondé?

Dei até um tempo, evitei ler mais suas baixarias misturadas a citações de alguma antifeminista americana ou de algum filósofo sensível como Benjamin ( que deve ter se revirado no túmulo) pra ancorar o vômito de sua misoginia vulgar.

Mas desta vez, sua última coluna extrapolou! Não tinha lido, mas algumas amigas me passaram e achei um pouco demais. Se ele discute com seus alunos essa linda e profunda visão de mundo, coitados dos alunos da FAAP e PUC. É um pseudo-intelectual que deve ser fruto dessa delinquência acadêmica que coloca os seus em destaque. Por que não põem como colunista a profa Márcia Tiburi, hoje no Mackenzie? Uma mulher bonita, inteligente, vivaz e não peluda (como reproduz o senso comum machista) no seu auge.

Não precisa ter título acadêmico pra escrever a máquina de preconceitos sociais contra as mulheres. Isso circula de graça em nosso cotidiano. Nâo tem mais nenhum Paulo Francis, não. Só arremedos. Então, se quiserem colocar um pensador de direita, ou religioso coloquem um que não exponha preconceitos com roupagem intelectual. Nesse artigo último, nem isso ele faz! É inacreditável ver no espaço de um Contardo Calligaris e de um Marcelo Coelho, esse tal de Pondé!

Infelizmente, por essas e por outras vou cancelar minha assinatura da Folha de São Paulo. Ai que saudades que tenho da época que tinha um Claudio Abramo para ler, um Perseu Abramo.

Ia escrever pro Pondé protestando, mas só se mantivesse o seu nível: teria de perguntar se ele acha que se sua filha tiver um jantar pago por um exemplar masculino da espécie ele pode levá-la pra cama sem remorso. Ou se ele quer uma filha eunuco. Mas deixa pra lá. Vou escrever no blog coletivo em que participo [blog 300] porque pelo menos sou atacada por machistas em estado puro, sem persona intelectual. Aliás, fale pra esse articulista e pra seu editor que poderiam aprender algo com o Contardo Calligaris, Jurandir Freire Costa, Joel Birman, Maria Rita Khel e outros. Bibliografia também tem demais, mas pra não citar nenhuma feminista que essa Folha tem horror, leiam um clássico: Pierre Bourdieu, em A dominação masculina, tem tradução para o português desde 1999.

Pra mim chega!

Maria Lucia da Silveira
(socióloga, militante da Marcha Mundial das Mulheres e colaboradora da SOF - Sempreviva Organização Feminista)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Por que não voto no Prêmio "Congresso em Foco"

Não formo minha opinião a partir do que leio no que se convencionou chamar de PIG (Partido da Imprensa Golpista). Tenho uma relação estreita com a política, procuro me informar a partir de fontes variadas e do contato direto com quem faz disso uma forma de mudar o mundo. E tô fora desse mito de "imparcialidade". Não existe. No mais, todo mundo devia ter opinião, em vez de ser refém de quem tem.

Pronto. Já expliquei que relação eu tenho com notícias sobre política.

Minha opinião é de que isso de Prêmio Congresso em Foco é uma bobajada. Imagino que, basicamente, são os jornalistas do PIG que o promovem. E alguém sabe qual critério eles adotam para formar uma lista de "parlamentares que melhor representam a população"? Essa é uma pergunta importante, porque se ela não tiver uma resposta clara, o prêmio corre sério risco de, em vez de contribuir para o acompanhamento democrático da atividade parlamentar, criar uma nova modalidade (nova?) de vício.

A lista apresentada há poucos dias só reforçou essa minha impressão. A despeito de envolver bons nomes da política brasileira, gente séria da esquerda e da direita e bons mandatos - também, só faltava fazerem uma lista de abóboras né! -, não é possível afirmar o mesmo, igualmente, a respeito de todos os "indicados". O formato em que a iniciativa se apresenta abre brecha para questões não desprezíveis.

Uma delas é o reforço da grande mídia como mediadora da relação entre parlamento e população. Evidente que a mediação sempre vai existir. Mas é necessário que ela ocupe o lugar de mediação apenas, e não busque substituir o eleitorado e sua consciência. Inclusive porque as pessoas que efetuam essa mediação têm opiniões e sensibilidades particulares. Mais do que isso: nem só de grande mídia vive a opinião pública, e o Brasil está assistindo a uma demonstração disso neste preciso momento histórico.

E isso puxa outro problema: a possibilidade de fortalecer apenas um dos lados da disputa que se trava cotidianamente naquelas Casas. Isso se pode observar, com ainda mais clareza, na lista dos identificados com a defesa do meio-ambiente. Senti falta de outras figuras ali. Todo um lado da moeda ficou fora da lista de prediletos.

Desses dois desvios de rota, pode vir como consequência uma ação parlamentar meramente midiática, por vezes, descolada de um mandato que de fato seja representativo de bandeiras e opiniões políticas de parcelas significativas da população brasileira. Pior do que isso, pode alimentar um círculo vicioso entre jornalistas e parlamentares que não é bom para a democracia.

Tem coisa que é questão de opinião individual. Tem coisa que não. Vejam o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), por exemplo. O órgão, igualmente, oferece uma lista de parlamentares influentes, baseada em elementos concretos. De acordo com a definição dele mesmo, "entre os atributos que caracterizam um protagonista do processo legislativo, destacamos a capacidade de conduzir debates, negociações, votações, articulações e formulações, seja pelo saber, senso de oportunidade, eficiência na leitura da realidade, que é dinâmica, e, principalmente, facilidade para conceber idéias, constituir posições, elaborar propostas e projetá-las para o centro do debate, liderando sua repercussão e tomada de decisão". Para chegar a isso, utilizam-se de critérios transparente e objetivos, quantitativos e qualitativos (veja em www.diap.org.br).

Para uma iniciativa como essa, midiática como é, são necessários critérios transparentes e objetividade. Os e as parlamentares devem prestar contas para a sociedade. A imprensa é meio para isso, não fim.

Por fim... odeio listas. Nada mais reducionista que uma lista. Odiava rankings quando era do movimento estudantil, não perdi essa mania ainda.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

"A diversidade do Brasil não encontra espaço nos grandes meios"

Entrevistei João Brant para o Jornal Democracia Socialista/Em Tempo, sobre políticas para democratizar a comunicação no Brasil, a importância da participação popular no processo e desafios que a esquerda precisa assumir rumo a essa meta. João é da coordenação executiva do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, e mestre em Regulação e Políticas de Comunicação pela London School of Economics e Political Science. Hoje, um grande lutador em defesa da democracia nas comunicações e das principais referências no tema.

Precisamos desmitificar a série de mentiras que os donos da mídia propagam para continuar mantendo seu monopólio.

Alessandra



Como você descreveria o atual quadro das comunicações de massa no Brasil hoje? Em, especial, do sistema de radiodifusão, que são concessões públicas.

O cenário é de concentração e exclusão, já que a maior parte da sociedade não tem mecanismos para fazer circular seus pontos de vista. Pra se ter uma ideia, a soma da participação das quatro primeiras emissoras de TV é de 83,3% no que se refere à audiência, e 97,2% no que se refere à receita publicitária.

O sistema público de comunicação, que poderia fazer frente a essa realidade, ainda é incipiente. Só em 2007, o Brasil se colocou o desafio de criar uma TV pública de abrangência nacional, e ela ainda tem um alcance muito restrito, com dificuldades concretas para ampliá-lo.

O conteúdo dos meios de comunicação reflete esse quadro. A diversidade do Brasil não encontra espaço nos grandes meios. Ao contrário, há um tratamento estereotipado e discriminatório especialmente em relação a mulheres, negros e homossexuais, e as pessoas que se veem atingidas por essa programação não têm meios de se defender.


Em termos de regulamentação, que iniciativas precisam ser tomadas para avançar na direção de uma comunicação democrática?

Hoje a realidade é de um sistema predominantemente comercial, concentrado e excludente. A lei que trata das questões de rádio e TV é de 1962, do tempo da TV em preto e branco. A complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal, que poderia equilibrar um pouco o poder das grandes redes, está na Constituição desde 1988, mas nunca foi regulamentada.

O artigo 220 determina a proibição direta e indireta a monopólios e oligopólios, mas as únicas regras que existem sobre isso são da década de 60, e não consideram fatores-chave como audiência e investimento publicitário, por exemplo. No mesmo artigo 220 está prevista a criação de meios legais para a população se defender de programação que atente contra os princípios constitucionais – outro ponto que segue sem qualquer regulamentação.

Para o artigo 221, que busca garantir espaço no rádio e na TV para programas produzidos regionalmente e para a produção independente, existe um projeto de 1991, mas ele está engavetado no Senado. Veja que estou falando só de pontos que estão na Constituição!

Para se pensar o conjunto da regulamentação do setor, deveríamos incluir, além disso, regras democráticas para concessões de rádio e TV e para as rádios comunitárias, promover a pluralidade e a diversidade nos meios de comunicação e, mais do que tudo, garantir instrumentos de participação popular na definição das políticas e no acompanhamento do setor.


Em outros países de tradição democrática esse já é um debate superado, não?

Sem dúvida. Em muitos países há órgãos reguladores que incidem sobre questões de concentração de mercado e questões de conteúdo. Há regras que incentivam a pluralidade e a diversidade – inclusive a pluralidade política –, protegem o público infantil, e mecanismos para a população se defender de programação que atente contra a dignidade humana. No Brasil, nem um órgão regulador independente nós temos, já que a Anatel não é responsável pela regulação do setor de radiodifusão.

Só para dar um exemplo, em 2004, o FCC, que é o órgão regulador nos EUA, queria diminuir os limites à concentração (que, mesmo com as mudanças, seriam ainda mais fortes que os do Brasil). Houve pressão popular contra a medida e até os republicanos votaram contra no Congresso. Isto é, medidas que por aqui são consideradas radicais, lá são defendidas até pelo partido da Sarah Palin!


Na Argentina, por exemplo, a reforma da legislação sobre comunicação foi polêmica porque houve resistência dos empresários. Já há algum balanço desse processo lá?

Os empresários vão sempre resistir à mudança do cenário em que eles reinam sozinhos, mas o processo da Argentina foi positivamente exemplar. Ele é fruto da combinação de setores sociais organizados com vontade política do governo.

A lei aprovada cria condições para a ampliação do exercício da liberdade de expressão e está amparada em toda a legislação internacional de direitos humanos. Ali estão tratadas todas as questões importantes para a regulação do setor audiovisual. É fundamental, por exemplo, a reserva de um terço do espectro eletromagnético para meios de comunicação sob controle de entidades sem fins de lucro. Essa medida, tratada por aqui como se fosse um absurdo, é apoiada pelos relatores de liberdade de expressão da OEA e da ONU.


A Confecom acumulou no sentido de propor marcos regulatórios e revisões da atual legislação?

A I Conferência Nacional de Comunicação teve 633 propostas aprovadas (sendo 569 delas por consenso ou com mais de 80% de votos favoráveis) que determinam uma agenda bastante progressista para o setor da comunicação. Foram aprovadas propostas sobre os mais diversos temas, desde o reconhecimento da comunicação como direito humano até o combate à discriminação de gênero, orientação sexual, etnia, raça, geração e de credo religioso nos meios de comunicação, passando por novos critérios para concessões e definição de limites para concentração, além da definição do acesso à internet banda larga como direito fundamental. Também foi aprovado um Conselho Nacional de Comunicação como instância central para a formulação e o exercício do controle social das políticas de comunicação.


Em relação às políticas de acesso à banda larga, o quadro é melhor?

Não muito. A internet é um espaço aberto e democrático, e tem contribuído para a democratização. Mas o Brasil não trata do acesso à banda larga como um direito do cidadão. Esse acesso é hoje caro, ruim e limitado. Apenas 24% das residências no Brasil têm acesso à banda larga. Se tomarmos as classes D e E, esse número cai para 3%.

O valor médio pago pelos brasileiros para ter banda larga em casa corresponde a 4,58% da renda per capita no país. Mais que o dobro do México e mais de 9 vezes o valor dos Estados Unidos! Mesmo quem pode pagar compromete uma parte significativa de seu orçamento familiar com este investimento.

Isso deve mudar com o Plano Nacional de Banda Larga, mas mesmo o plano – que é bom, ressalte-se, mas insuficiente – não coloca a meta de universalização do serviço. Fala-se, no máximo, em massificação.


Que desafio devem assumir a esquerda e os movimentos sociais no diálogo com a população sobre essa pauta? Os donos da mídia misturam maliciosamente qualquer proposta que vise à redução do seu poder com censura.

A defesa da liberdade de expressão deve ser uma bandeira dos setores progressistas, daqueles que nunca tiveram voz e sempre tiveram que lutar contra as opressões. Temos que juntá-la à bandeira do direito à comunicação, que implica obrigações para o Estado.

Quando se fala em controle social, o que queremos é justamente garantir que um serviço público, como é a radiodifusão, cumpra o interesse público. Na prática, isso significa garantir o controle da sociedade (e não do governo) sobre a regulamentação e as políticas públicas para o setor, sobre o serviço prestado e sobre o conteúdo exibido. Exemplos concretos: no primeiro caso, a existência de conselhos e conferências que determinem diretrizes para as políticas públicas. No segundo caso, garantir ao cidadão, usuário desse serviço público, a possibilidade de se defender de serviços de má qualidade – é o caso dos cegos, por exemplo, que até hoje não contam com o serviço de audiodescrição e não têm para quem reclamar. Nem um bendito 0800!

No terceiro caso, relativo ao conteúdo, é preciso garantir o cumprimento da Constituição, que prevê a existência de meios legais para o cidadão se proteger de conteúdo que viole o disposto na própria Carta Magna. Por exemplo, se um meio de comunicação exibe conteúdo racista, eu preciso acionar o Ministério Público Federal ou entrar diretamente com um processo, o que me demanda tempo, dinheiro e conhecimento técnico. Não há uma via não judicial, rápida, que proteja o interesse do espectador. As emissoras fazem o que querem, com um poder muito desigual em relação ao espectador.

É importante destacar que controle social do conteúdo não tem nada a ver com censura. Tem a ver com garantir a responsabilidade da emissora por aquilo que ela já veiculou. Essa responsabilidade posterior é absolutamente democrática, prevista inclusive na Convenção Americana de Direitos Humanos. Isto é, existe a liberdade para dizer o que quiser, mas você pode ser punido se o que você disser representar violação a outros direitos humanos. Parece óbvio, não?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Como perder a fé na humanidade em uma manhã

Uma crônica sobre "um dia de fúria", que a constante percepção do egoísmo e falta de solidariedade é capaz de despertar... Boa leitura!

Por Juliano Medeiros

Crônicas não são o meu forte, quem me conhece sabe. Principalmente assim, escrita em primeira pessoa, como se o que eu dissesse ou escrevesse fosse coberto de relevância para terceiros. Quando eu achar que é, crio um blog.

Memos assim, hoje estou disposto a compartilhar minha indignação e perplexidade - e a crônica é uma aliada dos indignados.

A questão é: como perder, mesmo que temporariamente, a fé na humanidade. E quando falo em “fé”, me refiro à esperança de que, diante das maravilhas criadas pelo homem ao longo de sua existência e que trouxeram mais qualidade de vida, beleza e felicidade ao mundo, possamos viver uma existência plena de justiça e solidariedade, respeitando a diversidade.

Acordei às 5h da manhã. O vizinho do andar superior, corria, gritava, pulava e esbravejava contra, suponho, sua companheira. Não é a primeira vez que ele faz dessas. Outro dia, ele jogou as roupas da mulher pela janela (eles moram no quarto andar). Na ocasião, chamei a polícia, que rondou o prédio e foi embora.

Imaginem como acordei: irritado com o maluco do andar de cima, com sono e, por conta disso tudo, atrasado para o trabalho.

Mas eu passei alguns dias na linda Belém do Pará, e considerando o fato de que preciso viajar a Porto Alegre dentro de poucos dias, tomei a iniciativa de resolver aspectos da “vida prática” antes de sair de casa: levei minhas roupas sujas até a lavanderia, que fica na garagem do prédio, que é mais prático que ir a uma lavandeira no centro de Brasília. Mas a dita cuja não tinha um bom histórico: além de encolher minhas roupas mais de uma vez, sequestrou uma cueca, que está perdida desde tempos imemoriáveis. Pra confirmar o clima do dia que já não começara bem, me cobraram, por meia dúzia de roupas, a bagatela de R$60,00. Com certeza, isso é quase o mesmo que a prestação de uma máquina de lavar nas Casas Bahia. Mas não posso comprar uma máquina de lavar porque o apartamento onde moro é tão minúsculo que, para entrar a máquina de lavar, a geladeira ou o sofá teria que sair. Resultado: ficarei o resto dos meus dias em Brasília refém da máfia das lavanderias, que cobram uma fortuna pra lavar minhas roupas, encolhe-as e ainda deixa alguma peça pra trás.

Mas quando eu pensava que meu dia já tinha tudo pra começar errado, veio mais. Indo para o trabalho, parei num semáforo (sinaleira, para os gaúchos). Quando o sinal ficou verde, vi uma caminhonete – se não me engano, uma Ford Eco Sport, que não é nenhum carro popular –, e de dentro dela, sendo arremessada pela janela do passageiro, uma caixa enorme, cheia de comida. Não que a dimensão importe, mas chama a atenção quando alguém joga uma caixa de comida pela janela como se fosse um papel de chiclete. Foi a gota d’água. Acelerei o carro, buzinei, gritei e xinguei. A perua que estava dirigindo parecia não entender nada. Compreendi finalmente como se sentiu Michael Douglas em "Um Dia de Fúria".

Se eu tivesse um taco de beisebol certamente teria feito uma besteira. Talvez contra o louco do andar de cima, talvez contra a lavanderia, mas com certeza, contra aquele atentado à saúde pública, à higiene, à coletividade e à boa convivência. Como alguém pode pensar que a rua é uma grande lixeira? Como pode jogar uma caixa enorme pela janela do carro sem mediar as conseqüências? Imaginem se um motociclista estivesse na pista ao lado e fosse atingido!

Sou comunista. Todo comunista é movido por grande sentimento de amor pela humanidade, sobretudo os mais pobres, os excluídos, os miseráveis. Esforço-me todos os dias para evitar o distanciamento natural a quem não sente na pele as dores do povo e, assim, renovar meu compromisso com "os de baixo". Não perdi a capacidade de me indignar com as injustiças de qualquer espécie nem de me emocionar com a luta dos que sofrem. Nutro a esperança de que o povo pode ser senhor do seu destino, sem pátria nem patrão.

Mas devo admitir que, às vezes, bate um desânimo. Como tratar, no mundo que queremos construir, as pessoas que jogam lixo pela janela do carro? Ou os vizinhos que não respeitam o sono alheio e que resolvem seus problemas conjugais através de berros e ameaças? Sinceramente, não sei. Só sei que, pelo menos, as lavanderias poderão ser expropriadas...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Apesar de você

O editorial da Folha de hoje (1º de setembro) é uma aula de autoritarismo e prepotência. A turma da ditabranda publicou em sua página 2, sob o título de "Lula e a imprensa", texto que repudia e "analisa" de forma preconceituosa, elitista e arrogante as críticas feitas pelo presidente à grande mídia nacional (em geral, ele costuma destacar o tratamento desigual dispensado aos dois principais candidatos à presidência da República e a má vontade com seu governo).

Ao longo de todo o texto, o que a Folha quer dizer é que Lula critica a imprensa porque não aceita críticas. Ora, fica claro para qualquer leitor menos desatento que, ao agir dessa forma, é a Folha que não aceita ser contestada.

Vejamos. Ao longo das malfadadas linhas a que me refiro, a Folha autointitula-se "imprensa crítica", "jornalismo livre" e, explicitamente, coloca-se como 4º poder - lado a lado com executivo, legislativo e judiciário, mesmo não tendo sido eleita por ninguém para exercer essa tutela dos nossos direitos e do nosso "livre" pensamento.

Ora, a Folha é livre sim, mas num país de amordaçados. Muito mais livre do que deveria. Sim, liberdade tem limite. Quem nunca ouviu a velha história de "a liberdade de um termina onde começa a do outro"? De maneira que se a Folha é absolutamente livre, a liberdade de muita gente está invadida e cassada por ela.

E mesmo essa liberdade excessiva não implica que seu jornalismo seja livre. Muito pelo contrário. Ele é absolutamente preso às suas opções políticas e à sua visão elitista e conservadora do mundo. Ele é preso porque desde a montagem da pauta, passando pela abordagem da matéria, relação de entrevistados e escolha de fotografias para ilustração, tudo isso são escolhas políticas. Ingenuidade acreditar que não.

A Folha não foi eleita para representar a sociedade civil em espaço algum. Não tem concessão de "vigilância" dos poder. Faz isso como a empresa que é, que quer vender seus jornais, conquistar mais e mais patrocinadores e disputar consciências para construir sua opinião - ou fortalecer a opinião do conjunto que a inlcui. Faz isso movimentada pelos seus próprios interesses e o dos "seus". Eu sei bem quem são os "seus". Fica claro a cada página, a cada dia.

Em dado momento, o jornal retoma o preconceito odiável contra Lula e sua escolaridade, referindo-se irônica e cinicamente à falta de "habilitação conceitual" do presidente para entender a imprensa. Mas, ao que tudo indica, tem faltado habilitação conceitual e moral à Folha para compreender que Lula é muito melhor comunicador que ela.

Portanto, se eu pudesse falar com a Folha, eu diria: menos. Não me parece que as críticas de Lula à imprensa tenham qualquer origem em medo de nenhuma espécie. Mas sim, me parece que a Folha - embora tenha sido bastante poupada pela ausência total de políticas que visem à democratizar as comunicações neste governo - pode percorrer o mesmo caminho que levou ao triste fim da revista Veja: a opção consciente por abrir mão de assinantes para poder se tornar um panfleto reacionário.

A arrogância elitista da Folha, num editorial como esse, meramente demonstra seu incômodo por tentar, em vão, mudar o curso da história no país. Imagina só como ela vai se amargar vendo o dia raiar sem lhe pedir licença.


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É um grande desafio propor a democratização das comunicações como uma questão central para o próximo período. Esse monopólio precisa acabar. Direito à comunicação significa que não precisamos só ouvir, podemos falar. Sem mais amor reprimido, grito contido, samba no escuro.