terça-feira, 31 de março de 2009

Tristeza

Quando era diretora da UNE, 5 anos atrás, participei de um evento que homenageava diversos(as) lutadores(as) das décadas de 60 a 80, que combateram a ditadura militar no Brasil e dedicaram suas vidas à resistência e aos sonhos de novos tempos. Foi aquela, aliás, a última aparição pública de Lélia Abramo. Os homenageados, na realidade, não eram indivíduos, figuras que representavam uma trajetória particular, mas sim, organizações políticas, trajetórias coletivas - como a UNE.

Muita gente falou, aquele dia. Falas emocionadas, que recuperavam o sentido da luta por democracia; falas saudosas, que lembravam os tantos e tantas que tombaram no caminho até aqui; falas frustradas, lamentando que democracia ainda é pouco; falas de esperança, que destacavam que a luta do povo brasileiro nunca foi fácil e que, ainda assim, nós nunca deixamos de estar onde estivemos naquele momento e estaremos sempre: nas trincheiras.

A última fala foi do Zé Celso Martinez. Ele não falou, ele cantou. Disse que, naquele triste 1º de abril - sim, 1º de abril -, ele se lembrava de ouvir um samba que era sucesso na época:

TRISTEZA
(Haroldo Lobo/Niltinho)

Tristeza, por favor, vá embora
Minha alma que chora
Está vendo meu fim

Fez do meu coração a sua moradia
Já é demais o meu penar
Quero voltar àquela vida de alegria
Quero, de novo, cantar


O Brasil passou 20 anos sob essa tristeza. Vinte anos que levaram a vida de muita gente que lutou, gente nossa. Vinte anos que machucaram a esperança equilibrista, que calaram a boca de tantos e tantas que tinham o que dizer. Vinte anos de censura, de estrangulamento da cultura, da arte, de controle da Universidade, das organizações.

A Folha de S. Paulo ousou chamar de "ditabranda". Hoje, há militares que comemoram o aniversário daquele dia. Sempre penso que não devia ser possível que, 45 anos depois, ainda isso aconteça. Eu não estava lá, mas essa história é minha também. A gente não esquece.

De nossa parte, da história da resistência do povo brasileiro, a lembrança é da luta. É dos(as) que perderam a vida pra conquistar liberdade e democracia. E socialismo. Mas a lembrança é também dos(as) que aqui estão, que seguiram em frente e construíram partidos, movimentos, sindicatos, organizações quaisquer com o objetivo de escrever outra história. Temos esse legado até hoje. O PT é filho direto disso aí. A CUT, o MST, tantos movimentos, tantas lutas. Esse legado que a luta contra a ditadura nos deixou, devemos celebrar. À memória dos que gostaríamos que estivessem aqui pra ver o que fizemos com o que eles nos deixaram, todas as saudações. Porque nós sabemos que não teve nada de "brando" naqueles 20 anos de opressão do povo brasileiro.

Engraçado, mas temos que disputar, a todo momento, a referência daquele momento histórico. Não foi brando, não é festejável, não se esgotaram as bandeiras. Torturador não pode ser anistiado. Militante não é terrorista.

E se hoje é outro Brasil, outro mundo, outras pessoas, continua havendo muito ainda por que lutar, por que dedicar a vida. As contradições, os medos, os obstáculos são diferentes. Mas todo mundo sabe que existem. Só que a ditadura matava as pessoas. E nós, nós estamos vivos.

A família de Alexandre Vannucchi Leme (estudante de Geologia da USP, morto pela ditadura em 1973, hoje dá nome ao nosso Diretório Central dos Estudantes), quando dos atos políticos que marcaram os 30 anos da morte dele, mandaram ao DCE uma linda carta, em que recomendavam: "levem nos seus sonhos os sonhos dele". Celebrar a democracia que o sangue e o suor daqueles lutadores e lutadoras conquistaram deve significar isso mesmo. Sem mais tristeza. Sem se conformar. Aceitemos o desafio. Acumulemos sonhos. Juntos dos nossos, novos, e dos próximos que inventaremos, também levemos conosco os sonhos deles. É isso que fará viver sua memória, e que seguirá oxigenando a nossa luta inesgotável por justiça.

segunda-feira, 30 de março de 2009

A nossos(as) eleitores(as) e apoiadores(as), muito obrigado!

Mensagem da chapa 2, que disputou o Sindicato dos Jornalistas de SP.

Encerrado o processo eleitoral no Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, nós, membros da Chapa 2, "Enfrentar a Crise, Sindicato é Pra Lutar!", agradecemos a todos/as aqueles/as que con fiaram na nossa disposição de luta e nosso Programa e apostaram na proposta de renovação do Sindicato. Não conseguimos vencer, mas reafirmamos nesta campanha a grande vitalidade da Oposição e o respaldo que continua a merecer na maioria das grandes redações.

Nesta eleição, 1.168 jornalistas tiveram seus votos validados.

A Chapa 2 recebeu 515 votos, 44% dos votos válidos. A Chapa 1, da situação, recebeu 653 votos, 56%.

Apesar da derrota, a Chapa 2 foi a mais votada na capital: somadas as urnas 1 (sede) e 2 a 6 (volantes), recebemos 303 votos, mais do que os 283 votos recebidos pela Chapa 1.

É um resultado histórico, que indica a existência de uma crescente insatisfação dos/as jornalistas com a apatia e o abandono que vitimam nosso Sindicato. Insatisfação que não se manifesta apenas nas redações, mas também é encontrada entre assessores/as de imprensa e colegas aposentados/as.

Nas regionais, bem como na urna de votos por correspondência, fomos derrotados. Mas vencemos em Bauru (34 x 19) e obtivemos resultados importantes em Piracicaba (14 x 15), Sorocaba (17 x 20) e Santos (43 x 78).

Continuaremos batalhando para fortalecer nosso Sindicato e dar-lhe um perfil combativo, capaz de defender a categoria da ganância dos patrões e de torná-lo um protagonista atuante na sociedade brasileira, em especial na luta pela democratização das mídias. Para tanto, a sindicalização de milhares de jornalistas é um passo indispensável.

Como temos feito ao longo dos últimos anos, procuraremos, com a ajuda da categoria, fiscalizar a diretoria eleita e exigir que cumpra seus compromissos de campanha, além de prestar os esclarecimentos necessários quanto a denúncias recentes que ainda não foram respondidas satisfatoriamente.

A tod@s que nos apoiaram, reiteramos nosso muito obrigado!

Chapa 2, "Enfrentar a Crise, Sindicato é Pra Lutar!"

terça-feira, 24 de março de 2009

Coração de fiador

Todo mundo adora o “Samba do Grande Amor”, do Chico. Toda vez que estou num bar em que o músico manda essa, são muitos os rostos cantantes sorridentes, gente com expressão de aprovação, gente que recita a música como que contando para os outros sua própria história. E o engraçado é que a identidade da pessoa pode ser com a pedra no peito, com a mentira, ou com a devoção que antecede as duas coisas.

Hoje me peguei pensando no verso que fala de um “coração de fiador”. Achei que valia a pena dedicar alguns minutos a pensar sobre o que seria um coração de fiador... que, de acordo com a música, “botava a mão no fogo”. E é isso mesmo.

Um fiador ou fiadora é aquele que se responsabiliza pela dívida de outrem. Se o cara não pagar, ele paga. Um fiador que aceita ser fiador de alguém nunca acha que vai precisar pagar de fato. Confia (exceto nos casos em que os fiadores são pais, esses sabem que estão muito sujeitos a isso). O fiador é, em essência, uma pessoa que confia. Mas o que faz dele um fiador é exatamente a ocasião em que sua confiança é traída! Sua solidariedade o levou a fiar alguém. E de repente... pimba! Não é que vai ter que pagar?

Fico me perguntando... será que um fiador aceita ser fiador duas vezes?

***
A eleição para o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo continua até quinta. Não deixem de votar, jornalistas sindicalizados! Veja: www.sindicatopralutar.com.br. E o post de ontem.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Jornalistas: sindicato é pra lutar!

ELEIÇÕES 24 a 26 de MARÇO
Conheça mais: www.sindicatopralutar.com.br


O Movimento Sindicato é Pra Lutar! foi criado em abril de 2002, reunindo profissionais que, inconformados com os rumos tomados pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, decidiram organizar-se com a finalidade de levar a categoria a refletir sobre a difícil situação da entidade, e a agir para superar a crise.

Sabíamos que qualquer mudança real no Sindicato dependeria de uma nova atitude dos colegas. Pois o Sindicato só retomará uma posição mais combativa em defesa dos interesses e direitos dos jornalistas, só cumprirá seu papel, quando for reconquistado por aqueles que trabalham nas redações de jornais e revistas, nas emissoras de televisão e rádio, portais da Internet, assessorias de imprensa.

Vários dos que se engajaram na iniciativa haviam participado, nas eleições de março de 2000, da Chapa 2-Sindicato Vivo, que só foi derrotada porque a Chapa 1, da Diretoria, praticou todo tipo de manobra antidemocrática: preencheu sozinha todas as vagas da comissão eleitoral, nomeou todos os mesários, ofereceu vacinação gratuita aos sócios nas datas da eleição (e no recinto de votação) e ainda lançou um plano de saúde eleitoreiro (o PSS) — que garantiu a vitória do grupo situacionista, mas quebrou financeiramente a entidade.

Em março de 2003 o Sindicato passou por um novo processo eleitoral. Mas, desta vez, o grupo que controla a entidade não quis correr nenhum risco. A Chapa 2, apresentada por nós, não conseguiu sequer inscrever-se, embora contasse com nada menos do que 54 jornalistas de dez cidades diferentes. Foi impugnada sob o pretexto de que não apresentara candidatos para a diretoria regional de Piracicaba — que, à época, simplesmente não existia como tal, pois não possuia sede, endereço, telefones ou mesmo filiados em número suficiente para formar chapas.

Nem por isso nosso coletivo desistiu. Pelo contrário, continuou a participar de todas as atividades importantes para o Sindicato e para a categoria. Logo após as eleições, o fatídico plano de saúde encerrou de modo drástico as suas atividades, tal como havíamos previsto, deixando uma dívida imensa para a entidade e prejuízos para centenas de usuários.

Nossa atuação nas assembléias orçamentárias, que discutem a aplicação dos recursos financeiros do Sindicato, tem-se pautado pela apresentação de propostas alternativas, que contemplam a necessidade de modificar o sistema de financiamento da entidade (abolindo as taxas compulsórias e implantando a mensalidade proporcional aos salários) e — ao mesmo tempo — procuram reorientar a aplicação dos recursos. Estamos exigindo que a Diretoria cumpra o dispositivo do Estatuto do Sindicato que resguarda os interesses da categoria em dotações específicas (rubricas) para as atividades de campanha salarial e negociação coletiva, campanha de sindicalização e outras.

Temos participado também de todas as campanhas salariais, desde as assembléias que definem a pauta e o planejamento até, na condição de membros eleitos das comissões de mobilização e negociação, a própria execução das atividades. Desta forma, estamos contribuindo, em alguma medida, com a luta que a categoria vem travando, a cada data-base, para manter o poder de compra de seus salários, diante da voracidade dos patrões. Infelizmente, a Diretoria prima por descumprir a linha das campanhas salariais e as ações definidas em assembléia.

Vamos continuar brigando, guiados pelos princípios históricos da Central Única dos Trabalhadores, tais como a independência frente aos patrões e frente aos governos, a necessidade de organização no local de trabalho, a defesa intransigente dos interesses dos trabalhadores contra a exploração praticada pelos empregadores — exploração que, no setor de comunicação, assumiu proporções de um verdadeiro massacre.

Queremos participar das próximas eleições, que ocorrerão em março de 2006, para que os jornalistas tenham o direito de escolher uma alternativa ao grupo que está à frente do Sindicato há 15 anos e que, nesse período, conseguiu produzir desfiliações em massa e o maior desastre financeiro da história da entidade.

***
Por luta, entenda-se: resistir às arbitrariedades e imposições dos patrões, assumir a liderança dos protestos, informar amplamente a categoria, convocá-la, representá-la como porta-voz de suas reivindicações legítimas. Em resumo: enfrentar o arrocho salarial, as jornadas excessivas, as péssimas condições de trabalho, as demissões, o desemprego.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Nota da UNE

À Presidência Nacional do Partido dos Trabalhadores;
À Secretaria Geral Nacional do Partido dos Trabalhadores;
À Secretaria Nacional de Mulheres do Partido dos Trabalhadores.


A União Nacional dos Estudantes tem sua trajetória marcada pela defesa da Universidade Pública e da educação como um direito de todos e todas. Também é fortemente presente na nossa atuação, ao longo da história, o diálogo com questões para além da educação que afetam a vida do povo brasileiro.

Atualmente, uma onda conservadora se levanta contra as mulheres, buscando criminalizá-las e controlar seu corpo e sua vida. Entre os representantes dessa opinião no Congresso Nacional, estão Luís Bassuma (BA) e Henrique Afonso (AC).

Esses deputados federais buscam impor sua crença religiosa sobre todos, ignorando a premissa de Estado laico que deve orientar a intervenção daqueles e daquelas que lutam por justiça, igualdade e solidariedade.

Por isso, a UNE apóia a iniciativa tomada pelo Partido dos Trabalhadores, ao qual ambos os deputados são filiados, de questionar sua atuação contrária à legalização do aborto (e a favor de intensificar a criminalização) em comissão de ética, a fim de apurar seus procedimentos e dar o tratamento cabível. Também nos solidarizamos com as mulheres do PT em sua luta em defesa da coerência com os princípios feministas presentes no discurso e no histórico militante do próprio PT.

Reafirmamos nossa posição contra a criminalização das mulheres e pela legalização do aborto. Repudiamos a tentativa de instalação de CPI no Congresso Nacional para ampliar a perseguição às mulheres.


União Nacional dos Estudantes
São Paulo, 07 de março de 2009.

terça-feira, 17 de março de 2009

Nota da Marcha Mundial das Mulheres ao PT

A Marcha Mundial das Mulheres apóia a iniciativa da Secretaria de Mulheres do PT de solicitar que a comissão de ética do partido avalie as posturas e comportamentos políticos de seus parlamentares Henrique Afonso e Luís Bassuma.

Há muitos anos, empunhamos firmemente a bandeira da legalização do aborto, por entender que é necessário garantir a autonomia das mulheres sobre seus corpos e suas vidas. São as mulheres mais pobres que morrem em decorrência de abortos inseguros no nosso país. Não aceitamos que mulheres sejam criminalizadas pela prática de aborto, nem que a crença de alguns seja imposta a todos e todas.

Para o movimento de mulheres, foi muito importante a aprovação da resolução congressual posicionando o PT pela descriminalização do aborto e sua regulamentação na rede pública de saúde. As ações dos deputados em questão, entretanto, vão contra as resoluções do próprio partido e do Governo Federal, que compreende a questão como um debate de saúde pública, e enviou ao Congresso Nacional a proposta produzida por uma comissão tripartite, recomendando a descriminalização do aborto no Brasil.

Nos solidarizamos às mulheres do PT que não admitem que filiados do próprio Partido sejam protagonistas do enfrentamento que os setores mais reacionários organizam contra nós, mulheres. O momento é de uma ofensiva conservadora, mas não vamos nos calar. É preciso assegurar o Estado laico e o direito das mulheres de decidir sobre suas vidas.

Esperamos que o PT tome as providências cabíveis quanto aos dois deputados, e que nossa luta siga se fortalecendo rumo à vitória, em defesa da vida das mulheres.

São Paulo, 17 de março de 2008
Marcha Mundial das Mulheres

segunda-feira, 16 de março de 2009

Vitória da esquerda: Mauricio Funes é eleito presidente de El Salvador

Do site do PT.

Com o lema “Nasce a esperança”, o jornalista Mauricio Funes venceu as eleições de El Salvador e será o novo presidente do país. Representante da esquerda, sua vitória encerra 20 anos de hegemonia das forças conservadoras.

Funes recebeu 51,2% dos votos, contra 48,7% o candidato governista, Rodrigo Avila. A vantagem foi de pouco mais de 62.000 votos, segundo o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE).

Assim que o resultado se consolidou, Ávila, da Aliança Republicana Nacionalista (Arena), reconheceu a derrota, na eleição mais dura enfrentada por seu partido, que governava El Salvador desde 1989. Funes, candidato de oposição pela Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional, (FMNL) representou a mudança para o povo salvadorenho, que foi às ruas comemorar.

''Como presidente eleito de todos os salvadorenhos e salvadorenhas, buscarei beneficiar a maioria da população, independentemente de suas preferências políticas. Saudação a meus adversários com respeito'', declarou o presidente eleito, em seu primeiro discurso após ganhar a disputa. Funes falou em hotel de San Salvador, ao lado da esposa Wanda Pignato, de origen brasileira e representante do Partido dos Trabalhadores (PT) do Brasil para a América Central.

''Neste dia, triunfou a cidadania que acreditou na esperança e venceu o medo. Esta é uma vitória de todo o povo salvadorenho'', acrescentou Funes, em um discurso que lembrou o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na vitória eleitoral de 2002.

''Esta noite deve ter o mesmo sentimento de esperança e reconciliação que tornou os acordos de paz possíveis. Hoje firmamos um novo acordo de paz, de reconciliação do país consigo mesmo. Por isso, convido a todas as forças sociais e políticas para que construirmos um futuro juntos'', afirmou o novo presidente.

Funes prometeu trabalhar ''incansavelmente'' pelo regime de liberdades. “Nosso propósito é converter El Salvador na economia mais dinâmica da América Central'', declarou.

As ruas da capital foram tomadas por partidários do presidente eleito e de seu vice, o ex-comandante da FMLN Salvador Sánchez Cerén, para celebrar a vitória considerada histórica. O triunfo da FMLN veio na quarta tentativa de conquistar o poder depois de 1992, quando a organização se transformou em um partido político, ao fim de 12 anos de guerra civil.

O TSE e os observadores internacionais ressaltaram a normalidade da eleição no país, que segundo dados ainda não oficiais teve uma participação de 60% dos 4,3 milhões de eleitores registrados. O processo eleitoral, contudo, teve denúncias de irregularidades. Observadores informaram que vários cidadãos estrangeiros tentaram votar com identificação falsa. Na semana que antecedeu o pleito, a FMLN alertou para o fato.

Desafios do novo presidente

Violência. El Salvador tem a taxa mais alta de mortes violentas da América Latina devido à ação dos maras ou pandillas (gangues juvenis armadas). Mas os números vem baixando: em 2008 foram registrados 3.179 homicídios, menos do que em 2006, que teve 3.928 mortes.

Pobreza. Afeta 37% da população. Cerca de 10% se encontra abaixo da linha da pobreza. A taxa de analfabetismo em 2005 era de 18,9%.

Crescimento. O PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 3,2% em 2008, e a inflação, 5,5%. As exportações se concentram nas manufaturas e no café e a balança comercial apresenta déficit de US$ 5,2 milhões.

Dependência dos Estados Unidos. O país norte-americano é o principal sócio comercial e receptor de mais de 2,5 milhões de imigrantes salvadorenhos. As remessas que estes enviam se converteram na segunda fonte de subsistência do país (17% do PIB) atrás dos serviços (60%).

quinta-feira, 12 de março de 2009

Um Ministério para as mulheres

Durante as celebrações do Dia Internacional da Mulher, o presidente Lula anunciou que a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres passará a ser um Ministério.

Uma notícia importante em meio a excomunhões, intolerâncias, expressões as mais variadas do machismo brasileiro e mundial que se apresentaram em torno ao 8 de março.

A criação da SPM já havia representado um avanço importante. Algumas prefeituras têm a experiência de garantir um organismo de governo, com autonomia política e orçamento prórpio, para articular, elaborar e implementar políticas para as mulheres. Elevar a Secretaria para Ministério tem um impacto ainda maior na produção dessas políticas e na sua capacidade de articulação.

terça-feira, 10 de março de 2009

Liberdade para Cesare Battisti!

As próximas semanas são decidivas para o desfecho do caso Cesare Battisti. Nos últimos dias, a imprensa brasileira tem buscado repercutir uma agenda negativa em relação a essa questão, amplificando ações isoladas para fazer delas a referência. Sabemos que não é assim. O italiano Battisti tem recebido o apoio da esquerda brasileira e de muitos movimentos sociais.

Abaixo, um artigo do diretor de movimentos sociais da UNE, Juliano Medeiros, que esteve com Battisti há cerca de 20 dias, em Brasília.



Liberdade para Cesare Battisti!

“Como explicar essa Itália que esqueceu sua recente pobreza, seus imigrantes tratados como cachorros, que morriam nas minas belgas, alemãs e francesas? Que esqueceu seu fascismo, nunca enterrado, suas tentativas de golpe de Estado, a máfia no poder, a estratégia de tensão, Gladio, as bombas do serviço secreto nas praças públicas, as torturas aos militantes comunistas, esses mesmos que, não obstante seus erros, rasgaram sua vida para fazer da Itália um país a altura da Europa e que hoje, trinta e cinco anos depois, são tratados como terroristas? (...) De toda maneira, a história não se julga nos tribunais; nossos juízes só poderão ser os que virão lutando por uma sociedade mais justa. Somente eles nos julgarão imparcialmente”

(Cesare Battisti)

Dias atrás, integrei um grupo composto por representantes dos movimentos sociais, partidos de esquerda e representações parlamentares que se reuniu com o escritor e ex-ativista político italiano Cesare Battisti, no Presídio da Papuda, em Brasília. Durante os quase trinta minutos de conversa, ao contrário da imagem difundida pela grande imprensa dentro e fora do Brasil (“terrorista” e “assassino” são termos comumente utilizados pela mídia em geral), Battisti mostrou-se um homem gentil e atencioso. Ele riu, vestiu a camiseta da UNE, agradeceu pela solidariedade dos movimentos sociais e compartilhou sua preocupação quanto ao desfecho do processo de extradição movido junto ao governo brasileiro.

Condenado à prisão perpétua na Itália sob a acusação de homicídio, Cesare foi preso no Brasil em março de 2008. Está, portanto, há quase um ano atrás de grades brasileiras. Diante do pedido de extradição feito pela justiça italiana, Cesare requisitou asilo político ao Brasil. O pedido foi negado pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), órgão do Ministério da Justiça, mas acolhido pelo Ministro Tarso Genro. Desde então, o caso tem tomado proporções de incidente diplomático.

Mas afinal, o que há por trás do pedido de extradição do ex-ativista por parte do governo da Itália? Quais os fundamentos das acusações feitas a Battisti? Qual a situação de outros ativistas em outros países do mundo? Qual deve ser a posição do governo brasileiro? Diante de tantas perguntas, existem outras tantas respostas, diversas e contraditórias.

Cesare Battisti integrou, entre 1976 e 1978, o grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), pequeno coletivo que integrou a luta armada na Itália no final dos anos setenta, sendo um dos numerosos grupos oriundos de uma vertente do movimento autônomo denominada Autonomia Operária. Diferentemente das Brigadas Vermelhas, os PAC eram um grupo pouco estruturado, de organização horizontal, com vários núcleos independentes que podiam conduzir e reivindicar ações armadas livremente.

Em 1979, Cesare é preso e condenado por “crime de subversão” (e não homicídio), fugindo da prisão dois anos depois. Em 1986 é acusado pelo assassinato de dois comerciantes e dois policiais a partir da denúncia de Pietro Mutti, ex-dirigente dos PAC beneficiado pela “Lei dos Arrependidos”. Em 1990, refugiado no México e alegando inocência, Cesare é condenado à prisão perpétua pelo envolvimento nos quatro homicídios. De fato, os PAC reivindicaram os atentados, porém, mesmo o processo que o condenou em 1979 reconhece que Cesare Battisti nunca foi dirigente dos PAC nem “mentor” de operações desta importância. Aliás, na época dos assassinatos, quando das investigações, nunca se levantou a hipótese de Battisti ter feito parte das ações. Foi apenas a partir das acusações de Pietro Mutti que ele passou a integrar o leque de suspeitos.

Pietro Mutti foi peça-chave nas denúncias contra Battisti: só através de seu depoimento as investigações puderam ser retomadas. Segundo a “Lei dos Arrependidos”, militantes presos por participação na luta armada teriam suas penas abrandadas caso denunciassem seus companheiros, contribuindo com a prisão e com o conseqüente desmantelamento das organizações. Pietro Mutti assim o fez, denunciando Battisti, então foragido, como responsável pelos homicídios. Entretanto, com exceção das denúncias feitas por Mutti e do cruzamento de informações feito pela polícia, não há qualquer prova do envolvimento de Battisti nos assassinatos a ele imputados. Além disso, uma ex-militante dos PAC, denunciada por Mutti como cúmplice de Battisti nos assassinatos, foi libertada em 1994 por falta de provas.

Chama atenção ainda, a série de dúvidas que pairam sobre o processo que resultou na condenação de Battisti. Como afirma o escritor Valerio Evangelisti “o processo estava viciado de pelo menos três elementos: o recurso à tortura para estorcer confissão à época da investigação, o uso de testemunhas menores ou com distúrbios mentais, a multiplicação das imputações com base nas declarações de um arrependido de confiabilidade incerta”.

Quanto à prisão no Brasil, é inegável que o governo brasileiro e a Polícia Federal fizeram, num primeiro momento, o trabalho sujo dos seus colegas europeus. A prisão de Cesare Battisti foi divulgada com estardalhaço, como mais uma peça de marketing das forças policias brasileiras. Porém, a repercussão do caso fez com que, em seguida, o Ministério da Justiça passasse a tratá-lo com a devida importância. Com o parecer do CONARE, contrário à concessão do asilo político a Battisti, o Ministro tomou para si a responsabilidade e aceitou, ele próprio, o pedido. Como bem lembra o jornalista Rui Martins, “o Brasil anistiou todos quantos participaram dessa época, durante a ditadura militar. Uma anistia que beneficiou também os profissionais da tortura, que não eram movidos por nenhum ideal de mudar o mundo e justiça social. Fazer uma exceção a esse princípio seria um contrasenso e uma injustiça”. Assim, Tarso Genro, ex-militante de uma organização clandestina, soube fazer valer, em defesa dos que lutaram, a norma que, no Brasil, transforma torturados e torturadores em indivíduos iguais perante a lei.

Ainda assim, amplos setores – sobretudo na imprensa – seguem defendendo a extradição de Battisti. Entre outras, deve-se destacar a reportagem publicada na revista CartaCapital em sua edição de fevereiro. Nela, uma série de pressupostos fundamentam a defesa da extradição de Battisti, sendo alguns deles: a) nos chamados “anos de chumbo” italianos, havia um Estado Democrático de Direito, exemplo de democracia na Europa; b) não houve tortura ou leis de exceção na Itália dos anos 70; c) os crimes cometidos por Battisti não podem ser enquadrados na categoria de “crimes políticos”.

Os fatos, entretanto, desmentem estes argumentos. A Itália, do fim dos anos 60 ao fim dos anos 80, viveu sob a tensão da luta franca e aberta entre fascistas e comunistas. A operação “Gladio”, montada pelo serviço secreto italiano em conjunto com a CIA e a OTAN, tinha como objetivo levar a cabo uma “estratégia de tensão” salvaguardada pelo Estado italiano, executando dezenas de atentados, como explosões, assassinatos e sequestros, muitos deles imputados a organizações da esquerda armada. Da mesma forma, parece ingênuo presumir, tal como CartaCapital, que por não haver uma ditadura, um “Estado de exceção” como no Brasil, não existisse, por isso, um regime à margem da legalidade. A reportagem afirma que “à época, o mundo civilizado reconheceu que a Itália derrotara o terrorismo sem recorrer a uma única, escassa lei de exceção” e diz que Tarso Genro e os defensores de Battisti querem reescrever a história da Itália. Significa que duplicar compulsoriamente a pena de acusados de “atividade terrorista” não se enquadra como lei de exceção? As inúmeras denúncias de tortura – treze, apenas envolvendo testemunhas do caso Cesare Battisti – são invenções, tal como defendem os militares brasileiros? O fato de não existir, no Código Penal italiano, o crime de tortura não é indício suficiente da pouca disposição da Justiça daquele país em admitir o que se passou nos interrogatórios da Digo, a polícia política italiana?

Além disso, CartaCapital retoma uma importante polêmica: de que forma caracterizar um crime “político”? A Constituição Brasileira é clara ao vedar a extradição de qualquer indivíduo condenado por crime de natureza política. Entretanto, na Itália os crimes pelos quais Battisti foi julgado e condenado à prisão perpétua não são considerados crimes políticos. Ora, as ações das quais Battisti é acusado foram motivadas por razões de que natureza, que não política? Não consideramos, no Brasil, os sequestros realizados pelos militantes da esquerda armada como um crime político? Por que deveríamos agir de outra forma no caso Battisti? A matéria de CartaCapital dá a resposta: os crimes cometidos no Brasil são dignos do epíteto “político” porque foram cometidos contra uma ditadura, enquanto os crimes de Battisti tinham como alvo um “Estado de Direito Democrático” que, em que pesem as ações clandestinas em conjunto com organismos de repressão internacionais, mantinha intacta a legalidade. Porém, essa não parece ser, de fato, a verdadeira história.

Nos anos da Guerra Fria, inúmeros governos alternaram-se no poder na Itália, às vezes em poucas semanas. Como demonstrado pela condenação – ainda que prescrita – de Giulio Andreotti, Primeiro-Ministro acusado de envolvimento com o crime organizado, os principais partidos políticos italianos eram compostos de elementos corruptos, de agentes de governos estrangeiros e mafiosos. A política institucionalizada perdeu totalmente a credibilidade. Nesse clima, logo surgiram forças políticas de esquerda e de direita que formaram organizações de tipo político-militar. Na esquerda estavam, dentre outras, as Brigadas Vermelhas, o Poder Operário e os PAC; de outro lado, os fascistas da Terceira Posição e da Vanguarda Nacional, entre outras. É nesse contexto que irrompe a luta armada.

É disputando a “versão” destes momentos da história recente da Itália que o governo e a Justiça italiana retomam a ofensiva sobre ex-ativistas como Battisti. Com o governo fascista de Silvio Berlusconi, iniciativas como estas buscam fazer frente à luta ideológica que se desenvolve sobre o passado da Itália. Infelizmente, CartaCapital, assume o lado “oficial” de Berlusconi & cia. Cabe destacar, por fim, a reação desigual, por parte da Itália, diante da série de pedidos de extradição de ex-ativistas feitos recentemente. Enquanto o governo italiano abre mão de ameaças e intimidação junto ao governo brasileiro, ao mesmo tempo, aceita resignado a negativa de extradição de Marina Petrella, ex-dirigente das Brigadas Vermelhas, por parte do governo da França.

Portanto, ao governo brasileiro, caberia seguir as palavras do professor Dalmo Dallari, segundo o qual “a concessão do estatuto de refugiado a Cesare Battisti é um ato de soberania do Estado brasileiro e não ofende nenhum direito do Estado italiano nem implica em desrespeito ao governo daquele país, não tendo cabimento pretender que as autoridades brasileiras decidam coagidas pelas ofensas e ameaças de autoridades italianas ou façam concessões que configurem uma indigna subserviência do Estado brasileiro”. A diplomacia brasileira soube, em outros momentos, defender o direito daqueles que, com métodos hoje inadequados, lutaram pela justiça e pela igualdade. A palavra agora está com o Superior Tribunal Federal. Liberdade para Cesare Battisti!

(artigo de Juliano Medeiros, diretor de movimentos sociais da UNE e estudante de História da UFRGS)

segunda-feira, 9 de março de 2009

Marcando o início das lutas de 2009




Duas frases que ouvi ontem:

“A esquerda toda devia aprender com as mulheres: unidade faz a luta avançar”.

“As mulheres são sempre a esquerda das organizações políticas, porque pela própria natureza do feminismo, elas vão à raiz”.


Em São Paulo, o 8 de março fez justiça à nossa história. Mais de 5 mil mulheres na rua, num domingo de manhã com sol escaldante na cidade. O recado final do ato foi um destaque à luta pela legalização do aborto. Os tantos recados dados ao longo do ato eram por justiça, liberdade, autonomia, solidariedade, igualdade, soberania dos povos, anti-racista, anti-homofóbico...

A luta ganha força para prosseguir e se aprofundar em 2009.

sábado, 7 de março de 2009

O 8 de março e a luta das mulheres de luta

O 8 de março, Dia Internacional da Mulher, é profundamente associado à luta socialista de mulheres de todo o mundo, notadamente, das operárias estadunidenses e européias do final do século XIX e do início do século XX. Foram greves e mobilizações, a ponto de o Dia Internacional da Mulher ser o estopim para a Revolução Russa se desenvolver.

Todo mundo já ouviu falar da lendária história de cem operárias em greve que morreram num incêndio provocado pelo patrão. Porém, não há registro histórico algum sobre esse incêndio ou sobre essa greve no ano de 1857 – que é o que, dizem, teria dado origem à celebração do 8 de março. O que houve, isso sim, foi muitas mulheres socialistas em luta por direitos políticos, por igualdade, por melhores condições de trabalho. Isso é importante para que se destaque, como disse Maria Lúcia da Silveira (1), que não houve uma greve heróica, mas sim, um feminismo heróico que se erguia entre as trabalhadoras.

O dia nos é muito caro. Por isso, não aceitamos e não aceitaremos que tentem transformá-lo numa data comercial como outra qualquer. E os movimentos de mulheres têm garantido isso com maestria: as manifestações, ações de rua, palavras de ordem, o lilás, o roxo, o vermelho, as batucadas, as faixas com dizeres feministas... tudo isso marca o 8 de março para não deixar que nos roubem o significado.

Amanhã, em São Paulo, e em tantas outras cidades brasileiras, é dia de ir às ruas mais uma vez. Em algumas cidades, as mulheres ocuparam as ruas e praças ontem ou hoje. A luta das mulheres é mais atual do que nunca, e sua visibilidade é fundamental para a construção da igualdade, da justiça, da solidariedade.

Neste Dia Internacional da Mulher, faço coro com o repúdio geral contra o tal arcebispo de Recife e Olinda. Solidariedade à mãe da menina, à menina, à equipe médica. Repúdio veemente ao tal arcebispo, ao Vaticano e seu apoio nefasto a esses fundamentalismos, ao homem que cometeu esse crime hediondo contra uma guria de 9 anos – e outra de 14, vale ressaltar. Se eu tivesse um Deus, o meu Deus (ou, por que não, Deusa?) excluiria esse homem, esse arcebispo, esse Vaticano, do quadro de pessoas que podem viver no mesmo planeta que eu.

Neste Dia Internacional da Mulher, peço a todos e todas que repudiem, via e-mail, os deputados federais petistas Luís Bassuma e Henrique Afonso, defensores da criminalização das mulheres, propositores da aberração que é uma “CPI do aborto” – contrariando resoluções do seu próprio partido e as bandeiras tão caras às mulheres do PT. Extravasem seu repúdio pelos e-mails presidencia@pt.org.br e sgn@pt.org.br.

Neste Dia Internacional da Mulher, gosto de pensar nas mulheres que lutaram contra o regime militar no Brasil – algumas declaradas anistiadas pelo Ministério da Justiça ontem. Tantas que morreram, que perderam familiares, amigos, que sofreram torturas, que foram estupradas, que se exilaram, que se esconderam, que tiveram medo, que lutaram por liberdade. E assim, escreveram mais uma página da história da resistência.

Neste Dia Internacional da Mulher, lembremos das tantas que ainda sofrem a violência doméstica, a violência sexual, a violência de várias facetas. Lembremos as que morrem em decorrência de abortos inseguros. Lembremos as que nunca se recuperam das seqüelas causadas por um aborto inseguro. Lembremos as que sofrem caladas no emprego, sofrendo assédio moral, assédio sexual. Lembremos que as mulheres cumprem dupla jornada porque os homens não dividem o trabalho doméstico, e porque o Estado não lhes garante igualdade de condições. Lembremos que a televisão (e a mídia em geral) nos ridiculariza, nos desumaniza, nos objetiza e nos vende, todos os dias, em seus comerciais, como se fôssemos produtos. Lembremos, portanto, que ainda há muito mais por lutar.

E lembremos, acima de tudo, das mulheres que, neste século, no século passado, no retrasado, no anterior... lutaram sempre, com as armas que tinham. E que é por isso que existe o nosso dia. Porque a nossa luta não acabou. E afinal, as mulheres – embora a História nos invisibilize – nunca fugiram da luta do povo.

8 DE MARÇO EM SÃO PAULO
CONCENTRAÇÃO ÀS 10h – PRAÇA OSWALDO CRUZ, AV. PAULISTA

“Nós não vamos pagar por essa crise!
Mulheres livres! Povos soberanos!”


(1)Recomendo fortemente a leitura do artigo “8 de março – Em busca da memória perdida”, de Maria Lúcia da Silveira, que encontra-se disponível na página eletrônica da SOF (Sempreviva Organização Feminista): www.sof.org.br.

quarta-feira, 4 de março de 2009

O menino da rua florida

Tinha um menino que morava naquela rua florida que todo mundo gostava. Era uma rua sorridente, iluminada, parecia que só gente feliz podia morar lá. Mas quem estava fora não sabia que manter uma rua florida dá trabalho. As pessoas da rua não se importavam com esse trabalho, porque era o resultado dele que as fazia felizes.

O menino era feliz que nem a rua. Empinava pipas – sempre longe da fiação elétrica, claro. Também jogava bola, brincava de ciranda, corria, saltava. Cuidava da rua junto com os vizinhos e vizinhas. Sorria com o rosto inteiro, despreocupado.

Um dia, na rua florida, ele foi picado por uma cobra. Fora da rua, algumas pessoas diziam: “tá vendo, eu sabia que essa rua não era perfeita”. As pessoas da rua se assustaram, mas a picada até que nem doía. Só que não tinha cura. Precisava cuidar daquilo pro resto da vida. Lavar, medicar, proteger do sol. Não tinha jeito. Mas doer mesmo, até que nem doía. Depois de um tempo, os cuidados que a picada requeria passaram a ser tomados automaticamente, e a picada da cobra já era parte dele mesmo.

A rotina mudou um pouco, mas ele não se importava. Agora, ele tratava da picada, brincava e pulava, e cuidava da rua junto com os vizinhos e vizinhas. E todo mundo sabia que aquele era um menino especial.

Depois, deram a ele uma tartaruga. Pra ele ter um bichinho. A tartaruga não dava muito trabalho. Mas ele tinha que alimentar, limpar se ela fizesse cocô no quintal, prestar atenção pra ela não fugir (sim, tartarugas podem fugir, exatamente porque a gente nunca acha que elas poderiam fazer isso).

Tinha horas que ele se irritava com a tartaruga. Porque queria ir brincar, mas só podia ir jajá, porque tinha que alimentar a tartaruga. Quando voltava da rua cansado, queria ir dormir, mas tinha que limpar o cocô da tartaruga. Mas a irritação não durava, porque ele olhava a tartaruga andando pelo quintal com aquela calma honesta e ingênua, e sentia amor. Gostava de ver a tartaruga dormindo toda encolhida dentro daquele casco. Pensava que todo mundo devia ter um casco duro daqueles, pra usar se precisasse ou quisesse.

Ele ganhou um vaso de planta também. Tinha que ficar regando e deixar no sol, sem esquecer. A vida da plantinha dependia dessa responsabilidade boba de água e de sol, e então, o quarto ficava verde. O oxigênio que ela liberava não era só dele. Mas só ele enxaguava a planta e punha no sol.

Quando ficou crescidinho, comprou um carro. Era um carro barato, era o que ele podia. Bem velho. Mas era amarelo. E assim ele podia ficar mais tempo fora de casa, e ir pra mais longe. O carro pedia gasolina, pedia pra trocar de óleo, pra trocar de marcha, pedia pra alinhar os pneus, pra trocar de pneus, pra licenciar, pra lavar... Pedia coisas demais pra um serzinho inanimado.

Num dia chuvoso e sem cor, o carro enguiçou no meio da rua, em outro bairro. O menino já tinha criado certa dependência em relação ao carro, não sabia bem o que fazer para voltar para a rua florida. Mesmo consumindo tantos cuidados, o carro o deixou na mão! E logo agora, que chovia muito!

O menino não foi mais o mesmo depois desse dia. Tornou-se desconfiado, duvidando do cuidado que ele dispensava às coisas de que gostava, e começou a acumular motivos pra se enfezar. Passou a sair de casa menos, e pouco via as flores da rua. Não participava mais daquele processo coletivo e solidário de cuidar da beleza dela junto com os vizinhos e vizinhas.

Se alguém sentisse sua falta, ele respondia que a tartaruga, a planta e o carro dependiam dele pra viver, e ele já não tinha tempo. Em vez de sorrir, gastou os dias sentindo o peso.

E daí ele começou a se incomodar até com a picada da cobra, que ele cuidava automaticamente desde sempre. Via que os outros não tinham picada pra cuidar. Às vezes tinham carro ou planta ou tartaruga. Picada, não. Foi guardando muita raiva da picada. E já não viu mais que bonito ele aprendeu a ser por ter vivido toda a sua vida daquela forma tão particular.

Um dia, a tartaruga fugiu. Quando a gente não espera, o improvável sempre acontece. O menino ficou triste e se culpou. A culpa faz os outros pesos pesarem ainda mais... Foi pra rua florida e tentou procurar a bichinha, mas, nada.

Foi dormir incomodado. A ausência da tartaruga espetava. E além de enfezado e obrigado, ele ficou triste e culpado.

No sábado, ele amanheceu e voltou a buscar. Procurou em todas as partes da rua florida, e percebeu que não reconhecia a própria rua. Foi conhecendo-a de novo que ele encontrou a tartaruga. Estava do lado de uma cobra velha. Ele lembrou da picada, mas não teve medo. Quem já foi picado uma vez, não tem por que temer. Quando olhou bem, viu que, na verdade, a cobra velha estava lhe devolvendo a tartaruga.

Conheceu o alívio e a gratidão. Gostou mais disso do que de ser enfezado, obrigado, triste e culpado. Passou a regar a sua plantinha como quem rega os dois sentimentos de que gostou. Mas o que ele tinha percebido também, depois que reconheceu a rua florida e que viu uma cobra velha lhe devolver sua tartaruga, é que a leveza que a gente cultiva na alma se mostra como espelho pelos olhos, afrouxa a retina, e então, a gente enxerga melhor.

Estando bem cuidado, voltou, alegre e leve, a juntar-se ao grupo de vizinhos e vizinhas que mantinham florida a rua. E todo mundo sabia que aquele era mesmo um menino especial.