sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O recado do povo latino-americano em Belém

(a foto acima é da Agência Carta Maior)

A Folha de S. Paulo segue em sua cruzada pela desqualificação do Fórum Social Mundial... tsc tsc. Que burrice. Tem 100 mil pessoas lá. O mundo está olhando pra lá. Não adianta dizer que não é importante.

Na edição de hoje, uma foto de capa mostra os presidentes Hugo Chávez (Venezuela) e Rafael Correa (Equador) cantando ao lado de Aleida Guevara. A legenda classifica como "karaokê". A capa também chama para um artigo dispensável do dispensável Fernando Gabeira, que costuma não entender nada do que está acontecendo, e quando entende, costuma ficar do lado errado.

O jornal também deu destaque desproporcional à ausência de Lula ao encontro promovido pelo MST, e quase nada falou sobre o encontro dos presidentes na presença de mais de 10 mil pessoas. O leitor ou leitora da Folha não pôde ter acesso ao conteúdo do que foi dito nessa atividade, porque o jornal preferiu classificá-la como "um show seguido de discursos".

Mas ainda bem que meu amigo Eduardo Tadeu lá estava, e escreveu um pouco sobre o que se sentia diante de um evento dessa dimensão.


O recado do povo aos governantes

A reunião dos presidentes de Brasil, Venezuela, Paraguai, Bolívia e Equador, em atividade do Fórum Social Mundial, por si só, já seria um grande evento. Mas, por incrível que pareça, a foto, histórica, de Lula, Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e Fernando Lugo, em evento com mais de 10 mil pessoas de todo o mundo, não mereceu a capa de nenhum jornal de grande circulação no país.

No entanto, a energia dessas milhares de pessoas, com certeza, contagiou os cinco presidentes latino-americanos. Com vontade de mudar o mundo, os presentes à atividade colocaram-se à disposição da luta, acreditando que, como disse o presidente Evo Morales, esse mundo diferente já está sendo construído no FSM.

Tenho defendido que, para mudar o mundo, precisamos de uma boa teoria, com o diagnóstico da situação estrutural e conjuntural deste momento de crise do neoliberalismo, de derrocada das orientações dos órgãos do capital financeiro que, como disse o presidente Lula, davam notas aos países pobres e faliram.

Mas precisamos também de uma nova cultura, uma nova ideologia, baseada em valores como a solidariedade, o respeito à natureza, a justiça, entre outros. Essa nova cultura, como qualquer cultura, qualquer ideologia, não se aprende nos livros, não se aprende em aulas teóricas, mas na luta. Aprende-se na convivência. Aplica-se na vida e não nos textos.

O sentimento de pertencimento a um conjunto mais amplo de pessoas – aqueles e aquelas que querem um outro mundo melhor para todos e todas e que acreditam que esse mundo é possível e, como enfatizado pelos presidentes latino-americanos, necessário – é uma força que cria, ou mantém, a chama libertária, sem a qual não há transformação social. O Fórum Social Mundial é, portanto, portador da energia necessária à transformação social. Da construção de uma nova cultura.

Os presidentes, que foram ao FSM falar, também ouviram. Não apenas daqueles e daquelas a quem foi dada a oportunidade de se manifestar no microfone. Mas a força daquelas milhares de pessoas transmitiam aos presidentes uma clara mensagem: estamos aqui com força e disposição para mudar o mundo, acreditamos que um outro mundo é possível, lutamos por ele porque é necessário.

Presidentes, sigam no rumo da construção de outro mundo, alternativo ao capitalismo. Nós estamos aqui para lutar por esse mundo.

Eduardo Tadeu Pereira

(Pra quem não conhece o Edu, ele é professor de História, mestre em Educação, e atualmente está Prefeito de Várzea Paulista/SP, em seu segundo mandato. É autor de Formar à Esquerda, publicado pela Edições Pulsar)

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

As mulheres e o poder (qual poder?)

Uma das atividades de hoje no Fórum Social Mundial é sobre as mulheres nos espaços de poder, promovida pela Secretaria Nacional de Mulheres do PT.

O tema provoca os movimentos de mulheres há muito tempo, claro. Em tempos de discussão de reforma política, a necessidade desse debate se reafirma e se atualiza. Mas, sob a perspectiva do feminismo, algumas novas questões precisam ser lançadas: de qual poder estamos falando? Exercer o poder para chegar aonde? Queremos sim mais mulheres nesses espaços. Mas queremos também mais mulheres que olhem para as outras mulheres. E queremos também transformar o poder. Não queremos entender que a única forma de se relacionar com o poder é essa, torta e viciada, que vemos por aí.

O Congresso Nacional tem apenas cerca de 8 a 9% de mulheres. As cotas para mulheres em chapas proporcionais são freqüentemente burladas pelos partidos e coligações, que acham que “a vida é assim”. O problema é que nenhum deles tem olhado para essa questão como estruturante da sociedade. Nenhum deles pensa sobre o que significa a exclusão das mulheres do espaço da política, quais as origens disso, quais as conseqüências, quais os impactos sobre a própria política e sobre a vida das mulheres.

Não esperamos, também, que todos se debrucem sobre essa questão. É uma preocupação que tem as cores da esquerda. Mas esta deve chamar para si a tarefa, e ter responsabilidade com a luta das mulheres e o combate a todo tipo de opressão. O problema, de novo, é que, mesmo na esquerda, as relações de poder são permeadas pelo machismo, e é evidente que o descompromisso com o tema, muitas vezes, tem a ver com o medo de se perder poder. Porque, como a Física já demonstrou que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, pra uma mulher ganhar poder, um homem vai ter que perder. Difícil, não?

Por outro lado, importante lado, não basta ser mulher. Não basta ser Yeda no Rio Grande do Sul ou Rosinha Matheus no Rio de Janeiro, pra ficar em apenas dois exemplos. Não basta, também, olhar pra sua trajetória individual como se fosse descolada de um processo patriarcal que desde sempre exclui as mulheres dos espaços de poder, marginalizando-as no campo do privado. Precisamos de mais mulheres comprometidas com o enfrentamento da desigualdade, todos os dias, em todos os espaços. É para isso que queremos o poder. Para mudar o mundo.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A alegria do Fórum Social Mundial em sua nona edição

(foto da Agência Carta Maior)


A “cobertura” da Folha de hoje sobre o Fórum Social Mundial, que começou ontem em Belém, é uma piada.

A matéria divide ¾ de página com a publicidade de um cruzeiro, e o centro dela é a marcha de abertura do Fórum, que tradicionalmente abre as atividades do evento. Uma parte é um texto corrido, sobre a marcha (com foto), e outra parte são drops.

A meta é, visivelmente, desqualificar o Fórum Social Mundial. Para isso, o texto se utiliza de ironias sobre a relação dos(as) participantes do evento com o McDonald’s, sobre ser entoado o hino da Internacional Socialista, sobre a sede da Globo (TV Liberal, no caso da afiliada lá) estar no trajeto da marcha.

Nenhuma palavra sobre as atividades do Fórum, os países representados, os movimentos sociais reunidos, os objetivos da reunião, a atualidade do debate desde 2001.

Entre os drops, um satiriza o fato de a Federação Nacional dos Farmacêuticos ter como “lema” (sic) a idéia de “Palestina livre”. Muito engraçado, não? Totalmente fora da realidade, da conjuntura, da cabeça das pessoas. Por que diabos farmacêuticos(as) deveriam se preocupar com a Palestina??? Só porque está acontecendo uma guerra sanguinária lá? E eles estão no Fórum Social MUNDIAL, não no Fórum Farmacêutico Local? Ora, deveriam, isso sim, se preocupar com medicamentos e substâncias químicas dessas que fazem efeito quando jogadas no corpo das pessoas. Pra quê mais?

Depois, a reportagem destacou que adolescentes estrangeiras (reparem no gênero) compravam frutas típicas no Mercado Ver-o-Peso por até o dobro do valor normal. Também registrou que viu com os próprios olhos uma “visitante” ter sua carteira furtada. Poxa! E em vez de escrever uma matéria dispensável dessas, podia ter ajudado a menina a recuperar a carteira hein! Ok ok... temos que perdoar a reportagem. Devem ter ficado paralisados tamanha surpresa diante de um furto de carteira, algo que sempre lhes pareceu tão distante da realidade.

Mas, pra mim, o pior foi a forma como o jornal tratou a alegria dos participantes do Fórum. Afirma que a marcha de abertura foi uma manifestação “com jeito carnavalesco”. Citou as baterias que tocavam samba, grupos fantasiados de palhaços e o fato de que as pessoas “pulavam”. Era uma tentativa de dizer que a coisa não é séria. Lembrei do Eduardo Galeano:

“Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagens. Ou seja: ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca”.

Esse pessoal nos quer, a nós, a esquerda, carrancudos. Nos quer choramingando, rotuláveis, esteriotipáveis. Nos quer com úlceras e gastrites nervosas, nos quer enlouquecendo, nos quer sem amores, sem sorrisos, sem motivos pra festejar. Mas nós os temos. Uma luta que é por justiça, por liberdade, não tem como ser rancorosa. É alegre. E porque a revolução é alegre, eles têm medo de nós. Porque nosso sorriso pode contagiar.

Que bom que Belém estava sorridente ontem. Viva o Fórum Social Mundial!

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Mulheres

Um belo poema da companheira Lira, da Marcha Mundial das Mulheres, para marcar a abertura dos trabalhos em 2009...

mulher:
se te ensinaram a ter uma voz mais macia
a amar com paixão
a cuidar com carinho
isso não precisa ser um problema.
mas se sua voz se cala diante de outra mais forte
se o amor vira submissão
e se o cuidado impede a luta
nem que seja por um momento
pode ser necessário gritar,
odiar
e criticar com firmeza:
por amor.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Posicionamento da Marcha Mundial das Mulheres

A Marcha Mundial das Mulheres do Rio Grande do Sul se pronunciou, através de nota de repúdio, quanto à extinção da Coordenadoria de Mulheres da Prefeitura de Viamão, de que falamos ontem. Veja abaixo.

NOTA DE REPÚDIO À ARBITRARIEDADE
DO PREFEITO DE VIAMÃO, ALEX BOSCAINIA

A Marcha Mundial das Mulheres do RS rechaça veementemente a política arbitrária e autoritária de extinção da Coordenadoria da Mulher de Viamão por parte do Prefeito, Sr. Alex Boscaini. A constituição das Coordenadorias da Mulher é uma conquista histórica do movimento social, sociedade civil e de todas as mulheres que necessitam atendimento e políticas públicas próprias.

Vivemos tempos de crescente aumento da violência contra a mulher, de feminilização da pobreza e da marginalidade, tempos em que as políticas públicas e o acesso às mesmas são cada vez mais urgentes e necessários. O município de Viamão registra, a cada dia que passa, o aumento significativo no número de casos de violência contra a mulheres, cada vez mais atrozes, alarmantes e hediondos, sendo a Coordenadoria da Mulher a única estrutura pública de atendimento e execução de políticas de prevenção e reinserção social e econômica para as mulheres.

Nesse contexto, é incompreensível e inaceitável a postura do Sr. Alex Boscaini, que através de um ato extremamente desrespeitoso, autoritário, anti-democrático e machista, demonstra toda a sua limitação e incapacidade de compreensão acerca da situação das mulheres viamonenses.

A Marcha Mundial das Mulheres do RS apoia e se soma às ações e movimentos que estão sendo organizados pelas mulheres da sociedade civil de Viamão contra a truculência e arrogância do Sr. Alex Boscaini. Não podemos nos omitir!

Marcha Mundial das Mulheres do RS

Outro caso de desmonte das políticas para mulheres

O prefeito de Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre/RS, é do PT, mas num gesto importante, contrariou o que o partido defende em dezenas de resoluções políticas: um organismo de políticas para as mulheres nas administrações municipais.

Viamão tinha uma coordenadoria de mulheres, mas o prefeito Alex Boscaini acaba de extingui-la para tratar “desse tipo de coisa” numa Secretaria da Cidadania, onde se penduram as políticas que não precisam ou não merecem um organismo autônomo, com orçamento e estrutura para elaborar, articular e implementar.

Combater as vergonhosas desigualdade que há entre homens e mulheres, construir política pra garantir a autonomia das mulheres, tem que ser tarefa de Estado. A esquerda pensa assim, me parece. Uma pena estar havendo esse fato lastimável em Viamão. Não sem resistência das mulheres de lá, que conquistaram a coordenadoria bravamente, sabem da realidade difícil com que convivem (índices altos de violência contra a mulher, por exemplo) e ainda têm sido ignorada – e mais! – desqualificadas pelo prefeito, que chegou a deixar desalojada a coordenadoria, para garantir que elas sairiam do espaço físico que ocupam na prefeitura.

Abaixo, a nota de repúdio registrada por elas:

Repúdio ao extermínio da Coordenadoria da Mulher em Viamão/RS

Nós, Mulheres de Viamão, que conquistamos a Coordenadoria da Mulher em nossa cidade, estamos expressando nosso total repúdio à atitude extremista/machista do prefeito Alex de exterminar com a Coordenadoria da Mulher.
Em um município onde a violência doméstica contra a Mulher é crescente, os números de casos vem alarmando a sociedade e tornando nós Mulheres cada vez mais insatisfeitas com relação à garantia dos nosso direitos, nos indigna a postura do prefeito em desmantelar a Coordenadoria da Mulher, orgão responsável pela execução das políticas públicas para as Mulheres e, principalmente, referência na cidade e em nível nacional na prevenção da violência doméstica.
Além de nos desrespeitar, desrespeita o Legislativo, pois desconstrói um espaço legítimo das Mulheres criado por luta e garantido por Legislação.
Somente vereadores e vereadoras covardes, machistas e autoritários aceitarão rasgar esta lei que criou em nossa cidade um instrumento tão importante em defesa dos direitos da Mulheres que é o caso da Coordenadoria Municipal da Mulher.
Informamos que pelo fato do Movimento de Mulheres e certamente toda a cidade ser surpreendida com esta ação autoritária do prefeito, nós Mulheres da Movimento Civil Organizado de Viamão iremos ingressar no Ministério Público contra esta decisão arbitrária do Sr. Alex.

Uma das atrações de Jeri




Jericoacoara, reconhecidamente, é um dos lugares mais bonitos do Brasil e até do mundo. Uma aparentemente despretensiosa ex-vila de pescadores que se tornou uma pérola do oceano, à qual poucos têm acesso. Mar verde, céu azul, pôr do sol que envermelhece o céu, dunas e mais dunas, pedras furadas ou não.

Mas pra mim, o que mais me intrigou em Jeri foi exatamente uma coisa que eu não vi.

Indo para Tatajuba, onde há uma linda lagoa em meio a dunas, estávamos entre amigos a bordo de uma caminhonete, quando desceu o homem que nos levava – eu sem entender. Ele voltou dizendo que “a mulher estava ocupada”. Só aí eu entendi que se tratava de uma mulher de mais de 50 anos que conta a história de uma vila de pescadores que foi soterrada por uma duna no início da década de 1980.

Achei bonito isso de uma das atrações turísticas ser uma mulher que conta uma parte da história daquelas pessoas. Queria tê-la ouvido falar. Fiquei imaginando qual seria a cara dela, e o sotaque com que ela falaria. Imaginei até os exageros charmosos que dão brilho aos causos de pescadores que poderia haver...

A quem não viu, recomendo fortemente o filme “Narradores de Javé”, de Eliane Caffé.

Feliz 2009!

***
De volta à realidade, depois de 15 dias de tentativa incessante de abstração dela.
Pra abrir 2009 com leveza.